O elogio público do ministro da Administração Interna ao modo como a CGTP organizou a greve geral e a respetiva manifestação foi um ato político indispensável para distinguir o trigo do joio, a democracia da anarquia por assim dizer.
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Mas esse elogio foi também a expressão dos sinais atormentados destes tempos em que o mundo do capitalismo e das democracias começa a sentir saudades do mundo comunista que morreu com a queda do chamado Bloco de Leste.
Senhor de uma experiência e de uma cultura política bem acima da atual média portuguesa, Miguel Macedo não demorou a concluir que não fora o facto do adversário político do Governo na greve geral ser a CGTP e bem maior e mais violenta teria sido a confrontação entre forças policiais e manifestantes mais radicais, aparentemente nascidos do nada, alimentados pela ira da austeridade e pela fé no uso da força como motor da história.
Mas se parte da necessidade que Miguel Macedo sentiu de separar o trigo do joio se deve à sua própria madurez política, outra parte será fruta do tempo. Ou seja: a premência de reconhecer o papel do adversário para melhor defender regimes democráticos confrontados pelo caráter aleatório de muitas das ameaças sociais, económicas e políticas cujo descontrolo é a base de formas de terrorismo sobre cidadãos e estados ancorados em direitos e liberdades individuais aceites pela sociedade.
O adversário confiável foi de resto o conceito geoestratégico que garantiu a paz à Europa após a II Guerra Mundial, quando o chamado bloco ocidental e capitalista emparelhou com o chamado bloco de leste e comunista.
Com o desmembramento da União Soviética não faltou quem apressadamente brindasse à vitória final do bloco capitalismo sob a forma globalizada. Esqueceram-se, esses, de países emergentes em circunstâncias históricas que não seriam facilmente acomodáveis a esse movimento globalizador e que poderiam mesmo vir a formar novos blocos, menos baseados em argumentários ideológicos e mais em racionais económicos e de pura luta no quadro de um comércio mundial em escassez de matérias-primas tradicionais mas rico em novas tecnologias prontas a serem transacionadas e usadas chave na porta. E esqueceram-se sobretudo de alguns dos novos estados nascidos do desmembramento da URSS e que haveriam de ser dirigidos por máfias de todo o género e calibre.
Esses estados mafiados são hoje uma enorme ameaça para o sistema económico e financeiro das democracias europeias e o pior dos entraves ao processo de globalização. Porque os seus lucros ilícitos não entram nos mecanismos de redistribuição e ajudados pelas porosidades da livre circulação acabam por depreciar a própria moeda.