Estou certo de que amanhã à noite, para milhões de pessoas em todo o Mundo, o emprego substituirá um, ou todos, os três votos mais convencionais: saúde, dinheiro e amor. Não há nada de mal nesta tradição. Desde que não fiquemos sentados à espera que os desejos aconteçam "por obra e graça do Espírito Santo".
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A saúde, para além de factores genéticos e acidentais, depende do nosso estilo de vida (alimentação, sedentarismo, stress). O amor conserva-se, conquista-se e faz-se por merecer. Já o dinheiro é, para quase todos, sinónimo de emprego. Depende de muitos factores que nos são exteriores. Começar por aí é, porém, um erro. Estudo após estudo demonstra-se que, mesmo no mercado de trabalho, a sorte se constrói. Começa, quando somos pequenos, pela educação escolar e cívica. O enquadramento e empenhamento da família são, aí, um factor crítico. Famílias com o mesmo estatuto produzem resultados distintos, consoante acompanham e estimulam o desempenho educacional dos seus filhos. Este efeito mantém-se até que se construa uma personalidade independente, capaz de prosseguir a aquisição de conhecimentos e de enfrentar as dificuldades por si só.
Não vale a pena, porém, ter ilusões. Há contextos familiares e socio-económicos que, se não forem complementados ou, até, contrariados, se limitarão a reproduzir, ao nível dos filhos, a exclusão em que vivem os progenitores. Há aí um espaço para a política pública, que não é sinónimo, nem se reduz, à escola pública. Para uma descriminação positiva que crie condições para um acompanhamento diferenciado, apropriado às especificidades dos destinatários em causa. Ao contrário do que às vezes se pensa, não se trata de criar outras facilidades que não sejam as condições para aprender. A tentativa de mostrar que a aprendizagem é algo que se faz com facilidade pode contribuir para melhorar as estatísticas. No futuro continuará a produzir inadaptados, que desistem à primeira dificuldade. Para estes o desejo de dinheiro não passará disso mesmo, de um desejo, ano após ano frustrado. As condições envolventes podem ser adversas, circunstancialmente as coisas podem não correr como o desejado, mas "querer é poder", quando há uma vontade, há um caminho.
Talvez alguns exemplos nos convençam. V. abandonou a escola cedo. Começou a trabalhar numa carpintaria aos 14 anos. Aos 20, com uma carreira profissional estabelecida, dedicou 4 anos da sua vida aos movimentos operários católicos. Quando regressou à vida profissional, encontrou o desemprego. Enquanto concebia um projecto próprio, foi completando os estudos. A sua proposta foi recusada uma e outra vez. Não desistiu até a ver aprovada. Hoje tem uma pequena empresa e diz não ter medo da crise, desta ou de outra. D. tem a mesma atitude. Aos 7 anos, viu-se órfão da mãe e abandonado pelo pai. Com o irmão mais novo, ingressou na Casa do Gaiato. Trabalhou, ajudou o irmão, foi estudando e acumulando responsabilidades na instituição. Licenciou-se. Trabalha na consultadoria ambiental. Tem orgulho em dizer-se um Gaiato. Magoa-o ouvir denegrir a Casa. Com tudo o que teve de enfrentar na vida, sente-se preparado para arrostar com as dificuldades que lhe surjam pela frente.
Não vivem obcecados com o dinheiro mas sabem que não é uma miragem. Gente deste calibre constrói os seus desejos, a sua esperança.