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“Non, je ne regrette rien” é a letra de uma canção escrita por Charles Dumont, falecido no domingo, e que foi eternizada pela voz de Edith Piaf. A música, que marcou várias gerações, assentaria bem como “claim” de vários governos, nomeadamente do português. No fundo, o “claim” resume os benefícios, os recursos ou os traços diferenciadores de uma entidade, neste caso política.
Vem isto a propósito da não demissão de Ana Paula Martins do cargo de ministra da Saúde. A responsabilidade política não é uma culpabilização direta, cível ou criminal, de um dado titular do Executivo. Trata-se de uma simples assunção de negligência ou de erros crassos cometidos sob a sua alçada. Recordemos, por exemplo, Marta Temido. Nunca se demitiu por causa das mortes provocadas pela covid-19 nem pelo facto de a sua diretora-geral da Saúde ter sido imprevidente e pouco assertiva em muitas situações ao longo da pandemia. Temido deixou o cargo em agosto de 2022, depois de ter sido noticiado que uma grávida morreu enquanto estava a ser transferida porque havia falta de vagas no Hospital de Santa Maria.
A anterior ministra da Saúde não saiu na sequência de uma dúzia de mortes ocorridas num contexto de atraso de socorro por parte do INEM, independentemente de estar por provar o nexo de causalidade. No entanto, sabemos que havia uma greve às horas extra e os serviços mínimos não funcionaram, apesar das tentativas infrutíferas, ocorridas nas semanas anteriores, de diálogo dos funcionários com a tutela. Ana Paula Martins sairia se uma grávida morresse nas circunstâncias ocorridas em 2022?
É verdade que nem sempre as demissões resolvem problemas. Mas há sempre o risco de o cidadão considerar tudo isto muito leviano. “Non, je ne regrette rien[?]”.