Foi uma das expressões que mais ouvi na vida, da boca do meu pai (e por acaso nem era dirigida a mim, embora pudesse perfeitamente ser): "se a estupidez pagasse imposto..."
Corpo do artigo
Não é sobre impostos que quero falar hoje, embora tenha de reconhecer que o Fisco está cada vez mais criativo na hora de recuperar o dinheiro que os portugueses lhe devem: desde apreensões de carros até agentes secretos que perseguem e fotografam contribuintes, o esquema está a ficar tão complexo que já parece uma obra do Ian Fleming.
Será que estes James Bonds das finanças também bebem os seus martinis "shaken, not stirred" antes de pegarem ao serviço? Fica a pergunta no ar... Agora queria concentrar-me não no IVA mas na estupidez. E na possível criminalização dessa estupidez. Vem isto a propósito do caso de uns pais italianos que foram condenados a três meses de prisão (com pena suspensa) por terem recusado dar antibiótico ao filho de sete anos, que tinha uma otite. Infelizmente a criança acabou por morrer, o que tornou público este episódio de negligência. Acredito que haja muitos outros pais que fazem o mesmo, sem consequências tão graves.
Ainda bem, por um lado, o lado das crianças, que sobrevivem, crescem, vão à escola, e poderão um dia até quiçá ensinar aos pais os benefícios do antibiótico. Mas é pena que haja ainda muitos destes pais negligentes na sombra. Faz sentido que lá estejam, que é gente que se sente muito confortável nas trevas, no quentinho do obscurantismo. É que uma coisa é ser ignorante sem saber, outra é estar convencido de que se sabe mais do que o resto do mundo. É querer ensinar a missa ao padre, ou medicina ao médico, neste caso. Uma coisa é pedir uma segunda opinião, outra é pedi-la a um curandeiro.
Ou um homeopata, neste caso. Os pais decidiram não cumprir o tratamento prescrito pelos médicos, por estarem fartos de dar antibióticos à criança, e sujeitaram-na a um tratamento homeopático prescrito por Massimiliano Mecozzi, que está neste momento também em tribunal, por não ter advertido os pais do que risco que o menor corria caso não curasse a otite... Faço questão de referir o nome do homeopata porque é uma classe profissional que raramente fica para a história. Conhecemos centenas de nomes de médicos célebres, e até de enfermeiras, mas é raro ver uma estátua erguida a um homeopata. Habituados a receitar coisas que, se não fizerem bem, mal não fazem, acabam por passar despercebidos.
É bom que este senhor possa servir de exemplo porque por vezes o facto do xarope não fazer efeito tem um efeito bem grave a longo prazo. Ainda esta semana homeopatas norte-americanos vieram garantir conseguir curar o autismo, com recurso à terapia CEASE (Complete Elimination of Autistic Spectrum Expression). Tem este nome pomposo mas não se deixem enganar: consiste em administrar às crianças doses elevadas de vitamina C. Temos investigadores a trabalhar há anos para encontrar não só a cura como as causas do autismo, mas estes senhores de repente lembraram-se de uma solução que mais não é do que uma velha recomendação das nossas avós: "come uma laranja, filho". Proponho até que a clássica cecrisina passe a anunciar "uma pastilha efervescente por dia não sabe o bem que lhe fazia, sobretudo se tiver uma perturbação do espectro do autismo". Voltando ao triste caso da criança italiana, nestas ocasiões ouvimos sempre dizer (e dizemos também, porque temos coração) que os pais já tiveram o maior dos castigos, e que não precisam de condenações públicas.
Mas como à partida em Itália não leem o JN, estamos relativamente à vontade para falar disto... Sei que estão na moda as teorias da conspiração sobre a indústria farmacêutica, e sei também que não há inocentes nesta história (ainda há dias se soube que a Pfizer escondia um medicamento capaz de combater o Alzheimer). Mas sei também que a vida não é um filme da Disney, com os vilões dos comprimidos de um lado, e os heróis das ervanárias do outro. Nunca viveremos felizes para sempre (a não ser que a Pfizer esconda também um comprimido para a vida eterna), mas podemos viver saudáveis mais alguns anos. Se calhar vale a pena arriscar tomar um Clamoxyl. Quando receitado, claro, não é só porque sentimos a garganta áspera e a nossa vizinha diz que toma sempre.
20 valores
Para o Benfica que, na acção intentada contra o Porto, exigia, além de 17 milhões de euros, o seguinte: "absterem-se de aceder, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência (ou suposta correspondência) privada". Querer condenar alguém por divulgação de mails privados (totalmente compreensível) mas não querer largar a tese de que esses mesmos mails são falsos, é de génio. Malabarismo superior ao praticado no Circo Chen! Talvez tenha sido por isso que a indemnização passou de 17 para 2. Divulgar mails fictícios, parecendo que não, é menos grave.
*Humorista