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O povo português é constantemente sujeito às mais cruéis provações de que há memória. Estamos constantemente a ser postos à prova e a ajustar-nos aos enormes desafios da atualidade. Exemplo disso é a mudança nas categorias do leite. Foram anos a ir ao supermercado e a ver leite gordo, leite meio-gordo, leite magro. E a vida era simples. Mas não, não podemos estar sossegados. Parece que, agora, o leite gordo passou a chamar-se "leite inteiro" e a coisa azedou.
Com esta mudança, há relatos que continuam a chegar de pessoas que estão há uma semana especadas a olhar para a prateleira do supermercado sem saber o que levar. Mas, na verdade, inteiro é como se deveria ter chamado sempre. Porque o que conhecemos como leite gordo é leite que não é modificado, é um leite com todas as propriedades do leite. Ou seja, é leite inteiro porque todas as outras categorias de leite são modificadas. Em qualquer parte do Mundo se diz leite inteiro, só em Portugal é que se chamou leite gordo. E, no fundo, é uma estratégia para suavizar a perceção que os consumidores têm, porque dizer leite gordo passa uma imagem de leite menos bom para a saúde. Sejamos sinceros: ninguém manda o gordo para a baliza por ser o mais saudável do grupo.
Entretanto, as redes sociais transformaram-se num livro de reclamação, e foram tantas as críticas que, se fosse editado, dava para dez volumes. Como o António Marques, que tem na sua descrição "simplesmente eu...", que reagiu à notícia com "é o fim dos tempos!!". E tem razão. Na Bíblia, o Apocalipse é descrito com pragas divinas, regresso dos mortos e mudanças na categoria dos laticínios. Já o Pedro Fernandes de Castro Marim põe o dedo na ferida e diz "a cultura woke contra-ataca", e a internauta Lu Felício concorda, rematando com "até dá nojo esta conversa". Tal e qual. Está tudo tão sensível, que hoje em dia não se pode ofender nada nem ninguém. Se não se pode ofender leites brancos, nem quero imaginar a categoria dos achocolatados. Isto gera muita confusão na cabeça dos consumidores. Como é que nos devemos dirigir ao leite gordo, então? Leite inteiro? Leite cheiinho? Leite com retenção de líquidos? Leite com problemas de tiroide? Na mesma caixa de comentários, o utilizador Miguel Macedo foi mais razoável e confessou: "Para mim, acabou. Não entra mais nenhum produto Mimosa cá em casa que tenha embalado nesta agenda politicamente correta!" Há três dias que as ações da Lactogal estão em queda com este boicote do Miguel. Por acaso, em minha casa também não entra, mas isto é porque sou intolerante à lactose. Mas não é por isso que passo ao lado das polémicas que envolvem o tema do leite. Ainda no outro dia, estava à mesa com amigos a discutir este tema e disse eu só bebo leite vegetal. "Ai é? Das tetas de um feijão de soja, é? Não existe leite de soja! Diz-se bebida vegetal". Calma, Sandra!
Pressinto que isto não vai correr bem. É que estão a lidar com o povo que, desde 2017, se recusa a chamar Altice Arena ao Pavilhão atlântico.

