Com o actual rendimento não é possível manter o nível de despesa pública a que nos habituámos. Os sucessivos aumentos de impostos, insuficientes para fazer desaparecer o défice, aí estão para no-lo recordar. Com cortes generalizados, todos ralham e alguns têm razão. Quem? Entre os partidos há escolhas e prioridades diversas, reflectindo distintos projectos políticos. É normal em democracia. Defendo um consenso em torno de um patamar mínimo de despesas sociais (alimentação, saúde, habitação), definido pela dignidade humana. Se os nossos impostos não derem para mais que sirvam, ao menos, para isso. Não faz sentido que haja quem viva ao relento, passe fome ou possa morrer por falta de assistência. Mesmo que haja quem se aproveite da situação, nenhum justo pode pagar pelos que prevaricam. Um Estado que, a pretexto destes, penaliza os primeiros, trocou a moral pela contabilidade.
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Em democracia, é ainda natural que os grupos de interesse se mostrem. Vêm à ideia as greves e as manifestações. Causam danos mas são, regra geral, menos perigosas que os jogos de bastidores ou as mistificações capciosas de muitos que têm acesso privilegiado aos media, tão bem denunciadas por Manuel Tavares em "O coro das reformas douradas".
Por mais despesa que cortemos não sairemos deste buraco sem encontrarmos maneira de crescer. Com mais ou menos lóbis, resistências e iniquidades na distribuição dos custos, a redução da despesa é, mesmo assim, uma brincadeira de crianças quando comparada com as dificuldades em encontrar um caminho para o crescimento. As razões são várias. A nossa actual estrutura produtiva tem uma capacidade limitada para crescer. Mesmo evoluindo na qualidade, enfrentará concorrência acrescida, tanto maior quanto menos auspiciosos forem os desígnios da economia mundial. A necessária renovação requer sangue novo. O fomento do empreendedorismo e a transformação, em inovação e euros, do potencial de investigação, de tão anunciado, começa a cansar e a desesperar. Desenhámos mal o sistema de incentivos, atirando com dinheiro para cima do problema, não permitindo separar o que devia ser premiado do que era apenas fogo-de-vista. A tentação de fazer tábua rasa do que existe é, porém, perigosa, correndo o risco de matar alguns projectos embrionários que, apesar de tudo, têm potencial. Em qualquer caso, a intuição do ministro da Economia da necessidade de um choque externo é correcta e a descida do IRC, para novos investimentos, um passo na direcção certa, conquanto insuficiente. Se a fiscalidade influencia a decisão, a estabilidade das leis conta tanto ou mais do que o nível de impostos. De pouco importa baixarmos o IRC se não formos capazes de garantir a constância da envolvente, o que requer, aqui e sempre, um consenso político alargado. A descida de IRC, só por si, não nos vai pôr nos radares dos investidores internacionais. Para tal, vai ser preciso um esforço sistemático de promoção do país, uma tarefa para a qual o Governo faria bem em convocar a nossa elite empresarial com presença e visibilidade internacional. Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo, Américo Amorim, Horta Osório, Domingos Piedade, Carlos Dias e tantos outros deveriam ser desafiados a serem embaixadores de Portugal. Não se trata de constituir mais um Conselho mas de os tornar cúmplices no processo, numa relação directa com a presidência do Conselho de Ministros. É tempo de Passos Coelho perceber que a auto-suficiência arrogante que o tem levado a desprezar a voz dos mais experientes é um erro, na política como na economia.
Quando se fala na necessidade de estender a Portugal algumas das concessões feitas à Grécia, o Governo deve ousar confrontar a troika com propostas focadas no crescimento. Por exemplo, se a diminuição da TSU tem um impacto tão benigno na competitividade das empresas (e, por isso, se pagaria a si própria, pela criação de empregos que reduzem as despesas com o desemprego e geram impostos e... TSU), por que não propor que aceitem, transitoriamente, o desvio do défice decorrente de tal facto? Dificilmente aceitarão? Se fosse fácil não era preciso termos Governo.