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Acho que o sucesso da série “Adolescência” da Netflix contribuiu muito para que o caso dos três tipos que se filmaram a violar uma menor esteja a passar em tudo o que são meios de comunicação. Como já passaram largas semanas do lançamento, não me vou inibir de falar dela. E não me venham com “ai cuidado com os spoilers!” porque de certeza que já apanharam um post do Nuno Markl a falar disso, por isso não me chateiem.
Mais do que uma história de um miúdo que matou uma colega à facada, a série é um espelho que reflete parte do Mundo. Expõe o permanente desconhecimento geral sobre a nova geração, especialmente a sua linguagem cada vez mais encriptada através de bonequinhos queridos do teclado. (Os jovens que nós nos sentimos quando há uns anos percebemos que as frutas e legumes não são uma referência ao corredor dos frescos, mas que uma beringela quer dizer pénis e pêssego é um rabo e que quando vão as duas juntas não se trata de uma sobremesa esquisita). Na série vemos os inspetores da Polícia a tentar perceber o crime dado o afeto que a rapariga e o rapaz partilhavam por trocarem tantos emojis quando, na verdade, eram insultos e ameaças terríveis. Eu acho que é o equivalente a “podre” na minha altura ser sinónimo de uma coisa boa. Depois mostra-nos vários retratos de violência a que, de uma forma geral, estamos todos expostos: a da partilha não consentida de imagens íntimas, a do avô que batia no pai quando este era pequeno, o bullying dos miúdos na escola ou a comunidade que vandaliza a carrinha da família. São ciclos de violência que se vão perpetuando e normalizando. No final, os pais do miúdo confrontam-se com o facto de terem dado a mesma educação a ambos os filhos e os resultados terem sido completamente diferentes. Há efetivamente uma coisa que os distingue e acho que essa coisa faz toda a diferença: o género.
Vivemos numa altura em que, felizmente, há discurso sobre ser mulher. Temos coisas para dizer às meninas como a luta pela igualdade, pela libertação sexual, pelo direito a realizarem-se como quiserem. E parece que se deixou um vazio com os rapazes. O problema é que esse espaço foi rapidamente ocupado por tipos narcisistas que, regra geral, nunca foram naturalmente muito populares na vida real e que por isso viram nas redes sociais uma forma mais fácil para serem admirados. O que é ser um homem? O esterótipo diz que os homens não gostam de ler livros de instruções porque os faz sentir menos capazes, mas de repente têm imenso sucesso os canais de outros homens nas redes sociais a ensinar os passos certos para se ser mais macho. E respondem todos à mesma tendência: receitas de dieta com proteína, banhos gelados, puxar ferro, ter dinheiro, exibir dinheiro, apologia à não masturbação para enrijecer, arranjar uma namorada que não seja impura como aquelas mulheres que exploram a sua sexualidade como lhes apetece. São homens que nas redes sociais têm o objetivo de atrair outros homens. Isto para serem coroados de “reis” pelos seus seguidores e fazerem anúncios a uma casa de apostas qualquer que lhes dá a possibilidade de se filmarem no Dubai com sacos de marcas muito caras, mesmo que muitos deles estejam vazios. A ambição que é vendida a estes rapazes é um retrocesso porque é o retrato antigo do conservadorismo. O homem enquanto ganha-pão e uma mulher casta em casa. E, se uma das bases deste fenómeno dos rapazes “incel” (celibatários involuntários) é a falta de narrativas e exemplos de masculinidade que não sejam tóxicos, outra é o ódio que isto gera contra as mulheres. Porque, de repente, as mulheres foram-se apropriando dos seus corpos e das suas vontades e não escolhem envolver-se com eles. E parte deles não têm ferramentas para gerir os sentimentos mais primários e a raiva e a humilhação é depois manifestada com a satisfação da violência. E este parece-me o ponto: temos um problema de violência nos homens.
Ser miúdo começa com soldadinhos, pistolas, espadas e, apesar disto não querer dizer que todos os que brincam à porrada se tornam agressores, começa a moldar o conceito de masculinidade. Falar de sentimentos só é “uma coisa gay” porque, como a série também mostra, muitos pais não o fazem com os seus filhos porque também não tiveram um pai que o tivesse feito com eles. Quando a expectativa de um miúdo é conquistar o máximo de miúdas e não consegue, a resposta pode ser o princípio da série. Quando uma mulher queima o arroz, a resposta é uma cabeçada, quando a mulher quer sair de casa, é morta. Quando a ex-namorada está em casa com o seu novo namorado, muitas vezes, morrem dois e mata-se um.
E, se assistimos a notícias, como a desta semana, com indignação, parece-me que é altura de tentarmos fazer melhor com os miúdos de hoje, porque por detrás de um homem qualquer, há um troglodita a mostrar-lhe como se deve ser.

