<p>Quem, para estudar o país, cair na asneira de seguir o trilho da nossa legislação, acabará a concluir que somos do melhor que há no mundo. Pode garantir a pés juntos que por cá ninguém ousa pôr o pé em ramo verde, não vá cair-lhe em cima a alínea b) do artigo 35º de um qualquer código. Que os negócios se fazem com toda a segurança, graças à portaria que de certeza supre a lacuna do decreto lei que a precedeu. Na prática, seja por olhos fechados quando deveriam estar arregalados, seja porque as leis se fizeram para serem contornadas, o que sentimos no quotidiano está muito longe desse país das maravilhas, comparável aos mais perfeitos Estados de direito. </p>
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Nestas circunstâncias, a tese é recorrente: não precisamos de mais leis, precisamos é de garantir que as vigentes são aplicadas. Indispensável, seguindo a mesma linha argumentativa, é a eficácia da investigação. Porquê, então, legislar sobre a criminalização do enriquecimento ilícito? Se não é já crime engordar o património sem apresentar rendimentos que o justifiquem, temos razões para estar preocupados.
Em recente entrevista ao JN, Jerónimo de Sousa recorre ao ditado popular para reconduzir a questão à sua essência: "Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem". Do que se trata, todos concordaremos, é de apurar como faz negócio tendo o curral vazio. Se a lei não é suficiente para o descobrir - como sustentam o PCP e o PSD -, criem-se novas leis. Se é, mas não passa de letra morta, reforcem-se os meios e proporcione-se operacionalidade a quem tem de desbravar tão movediços terrenos para a fazer cumprir. E avaliem-se os resultados, para que o cidadão não continue convencido de que riem por último sempre os mesmos. É ver por quantos dedos se contam os casos de corrupção que terminam em condenações...
A possibilidade de o levantamento do sigilo bancário constituir um meio de apuramento de ilícitos desta natureza volta a estar na ordem do dia. E coloca-se, uma vez mais, a questão da inversão do ónus da prova. Como noutras ocasiões, quem quer manter tudo como está invoca os direitos do cidadão - a manter contas bancárias longe de olhares alheios, a não ser obrigado a demonstrar que não cometeu um crime, cabendo a prova a quem acusa.
O vulgar cidadão, que vive do seu trabalho e paga impostos a tempo e horas, não receará que uma autoridade competente lhe vasculhe as contas bancárias. A ninguém choca, por certo, que quem apresenta rendimentos ou património superiores aos declarados tenha de explicar como os obteve. Isto é transparência, isto é defesa dos direitos dos cidadãos. De todos os cidadãos, não apenas de alguns. Quem não deve, não teme.