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As palavras usadas pela ministra da Justiça foram crípticas, como é habitual e, quem sabe, forçoso nestas circunstâncias. Disse que "o Governo tem em preparação legislação para evitar as prescrições e pôr fim aos expedientes dilatórios", e com estas expressões estava a dizer em juridiquês aquilo que há dezenas de anos deveria preocupar governantes e legisladores. A lentidão da justiça não é apenas exasperante, é a negação dos direitos dos cidadãos. Acredito que outros ministros se tenham debatido com o problema, mas é de Paula Teixeira da Cruz que se trata e não vejo razão para não acreditar na boa-fé desta jurista combativa e nitidamente irritada. Que a questão tenha surgido poucos dias depois do espectáculo da prisão interrompida de Isaltino Morais é um pormenor.
Casos como este ou o da telenovela da Casa Pia, para mencionar situações extremas, contibuem para agravar a generalizada falta de confiança dos cidadãos. Cada um de nós conhece certamente episódios que vão no mesmo sentido: demasiado tempo e demasiados subterfúgios previstos na lei matam a justiça. O que se perde pelo caminho é muito mais do que o que estava em jogo quando se decidiu apresentar uma queixa.
A ministra anunciou que prepara mudanças no Código Penal e no Código de Processo Penal, para resolver obstáculos que já estão identificados. Nem a linguagem cifrada nos impediu de perceber. Respondeu às perguntas, disse o que era necessário dizer.
Mas não foi para repisar o óbvio que trouxe aqui as declarações da ministra. É que ontem houve mais um episódio da série "jornalistas sem direito a fazer perguntas", que já suscitou em Maio passado um apelo ao boicote por parte do Sindicato dos Jornalistas.
O presidente da República e o líder do Partido Socialista conversaram ontem durante duas horas, no exercício das respectivas funções. À saída do Palácio de Belém, António José Seguro fez uma declaração: recusou-se a responder aos jornalistas.
Está no seu direito de não falar, ninguém o nega. Mas esta é uma absurda e nova (enfim, não tão nova assim porque de antecedentes está o passado cheio) modalidade de imposição da verdade oficial.
Os jornalistas não têm apenas o direito, têm a obrigação de colocar perguntas. Se um político não quiser responder, não responde. Mas dizer a um jornalista que não tem direito a perguntar é uma aberração.
Faz lembrar a frase sábia do mestre psiquiatra João dos Santos: "Se não sabe, por que é que pergunta?". É que uma pergunta contém muito mais do que uma interrogação, traz com ela informação e pode ser perigosa para quem prefere não responder.