Se queres a sorte grande, compra o bilhete
Corpo do artigo
Era uma vez um chefe de família cheio de problemas financeiros. O seu rendimento era baixo, a família era dispendiosa e as dívidas acumulavam-se. Todos os dias, no regresso a casa, passava pela igreja e implorava "Senhor! Fazei com que ganhe a lotaria." Ao fim de muitos anos, finalmente, ouviu uma voz vinda das profundezas do altar que lhe disse "Está bem, mas ao menos compra o bilhete".
Vem isto a propósito do impasse nas negociações entre a Grécia e a UE. A situação grega, tal como a portuguesa, é em larga medida o resultado das suas opções ao longo dos anos. Mas é também consequência do quadro de financiamento criado pela União Monetária, da inércia europeia na correção dos seus desequilíbrios estruturais e da inexistência de instrumentos europeus adequados para prevenir e resolver crises. Desde o início da área do euro, os países periféricos viram a sua competitividade externa deteriorar-se e os seus défices externos aumentarem. Mas, contrariamente ao que se passou com o défice orçamental, a UE não pressionou os países a corrigirem esses défices. Negligenciou-os, pois eram compensados pelos excedentes de outros países, designadamente da Alemanha. A liberalização financeira facilitou o financiamento dos défices de uns através dos excedentes dos outros, e a banca prosperou. As taxas de juro não eram muito diferentes das alemãs, sinalizando que o risco dessa situação era muito baixo. Mas, com a crise, os mercados financeiros ficaram mais exigentes na avaliação do risco soberano. No início de 2010, a Grécia teve que solicitar o auxílio dos seus parceiros, mas a UE não estava preparada para a ajudar. Os mercados ficaram ainda mais assustados até que o BCE resolveu intervir.
A moeda única é assunto de interesse comum. É uma responsabilidade de todos e de cada um dos países que a usam. A sua preservação exige políticas e reformas nacionais que promovam a solidez, a estabilidade e o progresso da área do euro. Mas exige também instrumentos e políticas comuns que aprofundem a sua coesão e que apoiem o progresso dos seus países. A Grécia é uma responsabilidade dos gregos e dos europeus. A sua eventual saída do euro pode ser a pequena pedra que se solta do dique dando origem à sua derrocada. Há que ter presente que, após as eleições inglesas, o risco de desagregação é sério, caso o referendo previsto para 2017 venha a ditar a saída deste país da UE.
Os programas gregos foram demasiado exigentes e punitivos. Em meu entender, tal justifica a reivindicação de uma atitude mais solidária da UE, mas não justifica a dispensa do esforço nacional. Não basta reclamar às instâncias comunitárias um milagre salvador. Há que comprar o bilhete.