"Esta é uma vitória que vai dar mais trabalho do que uma derrota". Foi assim que um proeminente deputado do PSD me transmitiu há dias o sentimento do partido após as legislativas. Na verdade, o entusiasmo inicial da coligação foi-se desvanecendo, sobretudo perante os sinais de que António Costa não exclui a possibilidade de formar um Governo de Esquerda. Passos Coelho teve mesmo de deixar cair a arrogância construída sobre quatro anos de maioria absoluta e de se disponibilizar para o "exercício atrevido" de perscrutar no programa do PS propostas passíveis de integrar um projeto de consenso para viabilizar o Governo PSD/CDS.
Corpo do artigo
O inusitado avanço da Esquerda à esquerda do PS, que dá nota aparente de trocar o protesto pelo Governo, veio baralhar as contas e colocar em causa o conceito de "arco da governação". A realidade, porém, é mais complexa. Por estes dias, as negociações para a construção de uma solução governativa confundem-se com as agendas dos partidos. O embate mais visível é o que opõe comunistas e bloquistas na disputa de uma fatia que agora vale quase 20% do eleitorado. O PCP defende-se desesperadamente do BE, ao ponto de mostrar uma abertura que nunca antes evidenciou, nem mesmo quando a URSS e o Muro de Berlim se estilhaçaram em fragmentos. O BE ensaia uma interessante metamorfose, a fazer lembrar o Syriza pós-Varoufakis, procurando diluir a imagem instável de força de protesto e apresentando-se como um parceiro de governação.
Esta é mais uma ofensiva da Esquerda sobre António Costa do que o contrário. Traz consigo sedução e risco e o líder socialista terá de fazer opções, sem ignorar os movimentos internos do seu partido, onde parece emergir uma força de oposição cujo peso não se consegue ainda descortinar. Viabilizar um Governo PSD/CDS significa impor à coligação um importante quadro de cedências. Costa passaria de derrotado a peça-chave, numa vitória que, todavia, seria efémera. Um desfecho desfavorável nas presidenciais significaria uma sequência de duas derrotas eleitorais sucessivas, pelo que dificilmente seguraria a liderança do partido. Na opção alternativa, Costa deixa-se seduzir por uma solução à Esquerda, a única que lhe traria o salvo-conduto para a sobrevivência enquanto líder. O problema aqui está no desenho da parceria. O aparelho socialista não concebe um Governo que integre os comunistas. Se for esta a via de Costa, a sua latitude estará entre um Governo socialista a solo (de legitimidade muito frágil) e uma coligação com o Bloco, viabilizados no Parlamento por toda a Esquerda.