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Na verdade, a expressão que ouvi esta tarde, proferida por Manuel Maria Carrilho no Elogio a Gilles Lipovetsky hoje Doutorado Honoris Causa pela Universidade de Aveiro, foi a de que Lipovetsky demonstrava, desde logo na sua obra inicial "A era do vazio", que a sedução substituía a convicção nas sociedades. Ou seja, que a um sistema autoritário que impunha convicções comportamentais de todas as espécies se substituiu um outro, apanágio das sociedades pós-modernas, organizado a partir da sedução permanente do indivíduo numa desmultiplicação cada vez mais potente de todas as escolhas.
Foi brilhante o Elogio e igualmente entusiasmante a Conferência/Resposta do recém-doutorado. Vale a pena pesquisar no site da Universidade de Aveiro onde penso que ambos os textos não deixarão de ser publicados.
No entanto, o binómio fez-me pensar num muito mais superficial fio da atualidade: a campanha eleitoral em curso para as eleições autárquicas.
Seduz ou convence? A imagem, a linguagem, a substância.
A imagem não seduz nem convence. Na generalidade dos casos é assente em cartazes com uma proposta visual ultrapassada onde à foto dos candidatos se associa um slogan ou um efeito gráfico vazio ou difícil de decifrar. Por aí não vamos lá. E para muitos, por esse país, será o único suporte informativo com que se cruzarão sobre os candidatos. Quando muito juntar-se-á uma coleção mais ou menos volumosa de merchandising, igualmente pouco sedutora e, no entanto, às vezes, convincente.
A linguagem. Essa é, sobretudo nos textos escritos disponíveis, redonda e muito pouco original. Quero dizer pouco precisa e repetida. Quem não fala em regeneração urbana, em competitividade territorial, cidadania, marca, coesão social, indústrias culturais e criativas? A globalização do mundo autárquico e a gramática popularizada pelo manejo dos fundos estruturais alisaram a forma dos discursos e acabaram com todas as espécies de palavras com raízes nos lugares. Seria interessante voltar aos tempos do pós-25 de Abril e rever os textos usados. Talvez não variassem mas o pano de fundo era ideológico e militante. Hoje é apenas prático.
A substância. Não é muito sedutora mas é razoavelmente convincente sobretudo ao nível das causas. Ou seja, os principais problemas são identificados na maioria dos programas com razoável acuidade. O cidadão médio reconhece os nós. As soluções, essas é que são sempre demasiado vagas, invariavelmente procuram posicionar o respetivo território no topo absoluto da escala e funcionam em ambiente fechado como se cada município fosse um enclave.
A prova-lo a inexistência (que eu tenha detetado) de uma só proposta conjunta entre candidatos do mesmo partido para resolver o problema de um conjunto de territórios. Como se fosse possível induzir tantas operações de regeneração urbana, captar tanto investimento estrangeiro, repovoar tantos concelhos ou fazer emergir tantos centros de indústrias culturais e criativas.
Depreendo que os cidadãos votam com base na fidelidade partidária ou numa convicção formada sobre a capacidade que o candidato em causa terá para resolver alguns problemas quando e como aparecerem. Nem sedutor, nem convincente.
Mas se a identificação dos problemas é relativamente oportuna, então seria na procura da melhor resposta que deveria ser injetada a máxima competitividade. Como num concurso, aos mesmos desafios o melhor concorrente. E que ganhe o melhor.
Sedutor? Certamente. Porque a esta linguagem ligeira corresponde a convicção de que a escala de planeamento prospetivo tem de ser claramente regional e paulatinamente assumida pelos cidadãos e agentes do território. Ao governo municipal corresponderia contribuir para a resolução de alguns. Com mais votos quanto mais fundamentado e mais sinérgico.
Enquanto assim não for as propostas, mesmo as mais abrangentes, soam inconsistentes. Afinal quem acredita no discurso da "capitalidade em rede" do Porto se até agora ninguém quis pôr a funcionar a Área Metropolitana?