Um destes dias, preparava-me para entrar num edifício quando tive de parar para evitar levar com a porta. A pessoa que me precedia, dois passos à frente, entrou e nem se dignou olhar para ver se alguém vinha atrás. Será impressão minha ou cenas como esta são cada vez mais frequentes? Será que as pessoas andam mais distraídas? Ou, o que vem a dar ao mesmo, estão mais, ou apenas, concentradas em si e nos seus problemas? E, por isso, ignoram os outros. Ou será que, pura e simplesmente, se tem vindo a perder civismo? O caso que referi aconteceu numa das mais prestigiadas universidades americanas. Quiçá influenciado pelo ambiente, decidi fazer um pequeno estudo empírico. Por experiências como a referida, e por observação, fui construindo uma amostra que me permitisse dar uma resposta mais consistente às interrogações anteriores (embora, obviamente, sem qualquer pretensão de fazer ciência). Analisando algumas dezenas de situações, verifiquei que, em mais de metade dos casos, quem ia à frente não fez a mínima diligência para segurar na porta, mesmo quando era evidente que alguém o seguia muito de perto. Em se tratando de pessoas de certas nacionalidades, a probabilidade de tal suceder era quase 100%. A minha conclusão é muito simples. E preocupante. Trata-se de alunos de elevada capacidade intelectual ou não teriam sido admitidos na dita universidade. Tal não significa que não sejam pouco mais do que bárbaros no domínio da cortesia, da civilidade. A correlação entre educação formal e educação cívica está longe de ser perfeita. A segunda não decorre, de forma automática, da primeira. Requer uma formação específica que não se esgota na escola. "Sábios loucos", egoístas ou, pura e simplesmente, malcriados, este pequeno episódio suscitou-me uma outra preocupação: gente deste calibre intelectual virá, muito provavelmente, a liderar a academia, a investigação, mas também empresas e administrações públicas, quiçá governos. Nalgumas dessas situações, como na investigação, não virá grande mal ao mundo que continuem a ser como são.
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Na generalidade dos outros casos a coisa fia mais fino. A forma como a eleição de Obama foi encarada talvez tenha a ver com a exigência, por parte do eleitorado, de mudança de atitude dos políticos. Os eleitores querem pessoas que se preocupem com quem vem atrás, que assegurem que a porta se não fecha para eles.
Nas empresas, gente como esta pode ser (ainda mais) perigosa. Só pensam neles. Não apenas não seguram na porta, como batem com ela na cara dos outros. Pior que isso, o seu objectivo parece ser chegar, depressa, não importa como, a um estatuto que lhes dê direito a terem alguém que lhes abra a porta. E, por isso, continuarão a não olhar para quem vem atrás. Predestinados ao sucesso.
Quase que apostaria que muitos dos executivos responsáveis pela actual crise se ajustariam, na perfeição, a esta descrição. O que fazer? Nunca é tarde de mais para tentar emendar. A ética e a responsabilidade social na formação para a gestão são o outro nome da civilidade. Reforce-se. Com exemplos. Bons e maus. Sem ilusões. Sem o envolvimento das famílias e sem começar de pequenino, nada de estrutural mudará. É uma reforma de que não se fala. Não menos importante do que as outras.