Fez bem o secretário-geral do PS em esclarecer os portugueses de que, uma vez primeiro-ministro, reporá o serviço público de televisão. E melhor fez ainda António José Seguro em precisar que essa restauração será através de uma empresa que garanta uma gestão rigorosa. Haja clareza! Passando por cima da circunstância de ainda não conhecermos os termos em que o Governo pretende levar a cabo a privatização da RTP - podemos apenas acreditar que isso acontecerá em obediência ao que está inscrito no programa de Passos Coelho - já se percebeu que vai haver grossa polémica em torno de saber se pode haver serviço público sem empresa pública que o realize na dependência do Estado, ou seja, do Governo.
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Jorge Miranda, um dos pais da Constituição da República, já veio declarar inconstitucional esse cenário de dissociação. O que vale por dizer que, a concretizar-se, tal hipótese acabará por ser dirimida pelo Tribunal Constitucional, para o qual não faltarão vias de recurso. Tantas que não entendo muito bem o piscar de olho que o líder do PS faz ao presidente da República, ao declarar a sua crença em que a eventual concessão da RTP1 não passe no "crivo" de Cavaco Silva.
É compreensível que o PS queira liderar algum frentismo, aproveitando a hostilidade criada por António Borges, que, do alto do estatuto de Senhor Privatizações, tornou pública a sua posição pró-concessão da RTP1, induzindo ser essa a opinião do próprio Governo.
Menos compreensível será se o PS mostrar mais vigor para o combate político em torno da RTP do que em relação ao premente buraco de 2,8 mil milhões nos impostos, que impedirão o cumprimento do défice de 4,5% inscrito no acordo com a troika. Sabendo nós que a troika está de volta e que esta é a avaliação em que alguns analistas apostam para conseguirmos dilatar os prazos de pagamento da dívida, cabe aos socialistas - por serem alternativa de Poder e por terem assinado o acordo com a troika - manter a pressão política para que nos seja dado o suplemento de tempo a partir do qual possamos tentar dar início ao relançamento da economia sem temer a bancarrota.
Mas também é verdade que a vida de Seguro não está nada fácil: afinal, o velho património do PS em matéria de governação pesará sempre sobre os novos combates políticos. Se está em causa o acordo com a troika, lá vem à memória, ainda fresca, a assinatura que o então primeiro-ministro, José Sócrates, colocou no acordo de financiamento e intervenção. Se em causa está a privatização da RTP, lá vem à memória corresponsabilidades idênticas em más gestões que acumularam prejuízos e más orientações políticas que originaram défices de pluralismo e isenção e fizeram crescer entre os portugueses a ideia de que a televisão paga por todos nós é mais de uns que de outros.