É, no mínimo, curiosa a empreitada suscitada pela corrida à liderança do PS: andamos todos à procura das diferenças entre Seguro e Costa, como se estivéssemos em casa, distraídos e despreocupados, à procura do Wally numa daquelas gigantes imagens em que o tipo de camisola e gorro listados de vermelho e branco está algures no meio da confusão. É um exercício divertido, este do Wally, como divertido é tentar discernir o que é que, afinal, distingue os dois socialistas que aspiram a ser primeiro-ministro.Divertido? Sim, divertido, porque quem acredita que Seguro e Costa têm espaço para fugir das banalidades e assim aparecerem ao Mundo como génios que, finalmente e para gáudio dos terrestres, descobriram o caminho para o crescimento económico, acreditar nisso, dizia, vale o mesmo que acreditar na vida para lá da morte. Em ambos os casos, trata-se de uma profissão de fé, sustentada em zero factos.
Corpo do artigo
A luta pelo controlo dos partidos não se joga (nunca se jogou, na verdade) no terreno do alto debate político e intelectual, na esfera elevada dos valores, na definição de projetos com cabeça, tronco e membros que tenham uma razoável de consonância com a realidade. Joga-se, isso sim, no controlo do aparelho, ou das bases, consoante os gostos. Ora, as bases estão-se literalmente nas tintas para a textura e densidade programáticas da conversa dos candidatos. Não é disso que o aparelho se alimenta - o aparelho alimenta-se de cargos, de benesses e de alcavalas. Portanto, estará sempre melhor posicionado o candidato que mais garantias forneça de sustentar esse "monstrinho" do qual dependem muitas e muitas famílias.
Quer dizer que estamos condenados a ser comandados por gente que chega ao poder não pelo seu intrínseco mérito e capacidade, mas apenas porque passa melhor no gosto do aparelho? Em primeira instância e salvas as exceções que confirmam a regra, sim. Em segunda instância, não. Passado o caminho das pedras, chega o caminho das pedras pontiagudas que é a realidade. Um exemplo: não creio que Passos Coelho estivesse deliberadamente a mentir quando, em plena campanha eleitoral, jurou que não mexeria nas pensões e no 13.o mês. Mas, depois, veio o azedume dos factos - e o homem teve que dar o dito pelo não dito.
O ponto aqui é: por muito que busquemos, não há homens, ou mulheres, providenciais. Há, isso sim, muita coisa para discutir seriamente sobre o modo como chegamos a um país mais equilibrado, capaz de se sustentar sem cometer loucuras. Isso faz-se com mais ou menos Estado? Com mais ou menos impostos? Com mais ou menos sacrifícios? Com mais ou menos centralismo? Com mais ou menos reformas? Com mais ou menos cidadania? Não esperemos, sob pena de nos estarmos a enganar a nós mesmos, que essa equação saia da cabeça de um candidato à liderança de um partido. Esse estado aconselha (mal) que se diga aos incautos que tudo irá bem quando, daqui a instantes, jorrar petróleo do Beato. Verdade: é um discurso perigoso, porque alimenta vãs esperanças e malsãs ilusões, daquelas que servem na perfeição os extremos. Mas é o que temos. Seguro e Costa não são diferentes. Não são o Wally.