O poderio mediático do futebol não dispõe só do dom da transversalidade, invadindo - e em comunhão, por igual - o espaço de ricos, pobres e remediados. É também marcado por uma outra característica diferenciadora: é bipolar. Tanto é capaz de acabrunhar um coletivo de adeptos como os põe em êxtase. E esse é também um dos ímanes da sua atratividade....
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O comportamento nacional em tempo de Campeonato da Europa é paradigmático. Para lá de em cada português morar um treinador, o estado de alma muda consoante os resultados.
Duas derrotas da seleção em plena fase de preparação colocaram o país meio desconfiado - e como houve um esforço de alguns "ayatollahs", integrados inclusive na Comunicação Social, para silenciar a mais ténue das críticas, como se um grupo de profissionais de elevado quilate deva estar imune a que se lhe zurza nos comportamentos dondocas, fruto de uma cultura alimentada na pirâmide dirigente. E a fasquia de otimismo desceu.
Degradou-se, aliás, no primeiro jogo do Europeu. A derrota frente à Alemanha abriu mais algumas frinchas de desconfiança; as bandeiras ficaram a meia haste. Descrença. Assim como assim...
Dinamarca-Portugal, ontem. Superioridade primeiro; sofrimento depois; exaltação no final. A vitória abriu um espaço de manobra maior na hipótese de qualificação para os quartos de final. E a que se assistiu? Festa, festa, festa. Um pouco por todo o país os portugueses brindaram aos golos de Pepe, Postiga e Varela. A seleção reativou um sentimento de orgulho. Rodou-se do oito para o oitenta.
Um estado de espírito assim, extremista, é característico do ser nacional. Noutras áreas, como a da Política, todas e quaisquer decisões não levam os cidadãos a sentirem--se eufóricos; a regra é a da depressão, depressão, depressão.
A ambivalência psicológica do futebol acaba, enfim, por ser única. O que é bom. E, de forma marcada, gira em torno de um coletivo. No futebol, como na vida, o golpe de asa individual é útil, mas quase nunca é decisivo. O exemplo mais flagrante passa por Cristiano Ronaldo, um génio do futebol demasiadas vezes protagonista de atitudes de alguém incapaz de perceber que o mundo - leia-se seleção - não está feito para girar em torno de si. E pior só mesmo projetar uma seleção em função de.
Como na vitória frente à Dinamarca, a seleção nacional pode e deve servir de exemplo. Ronaldo não deu uma para a caixa; foi o todo da equipa a ditar o sucesso. O país também não deve esperar por um Messias. Precisa de uma ambição coletiva para sair do buraco em que está metido. Por mais cómodo que seja atirar as culpas para alguém na hora da desdita...