Dois meses após as eleições legislativas, o Governo da maioria absoluta do PS vai finalmente tomar posse. Passaram dezassete anos sobre a outra maioria, a de Sócrates, que, apesar de tudo, produziu um executivo mais equilibrado do que este.
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Costa teve muito tempo para preparar um Governo à altura das circunstâncias. As políticas, dele, com a amplitude da vitória. E as externas, agravadas com os escombros da pandemia por terminar e com a guerra na Ucrânia. Se desculpas havia para alguns se furtarem ao desempenho governativo, socialistas ou não, julgar-se-iam desaparecidas com a maioria absoluta alcançada. O afastamento do radicalismo e do PC da órbita do poder também ajudavam a essa percepção. Todavia, mais do que o primeiro-ministro, o secretário-geral do PS decidiu-se por um Governo dos "seus", adornado aqui e ali por independentes na órbita socialista. Ou, como no caso da Ciência e Ensino Superior, por uma figura científica transversal para, como constou, "arejar" o Ministério. Porém, e como não pode deixar de ser, todas as escolhas de António Costa são políticas. E todos e cada um dos seus ministros e ministras são, de ora em diante, agentes políticos escrutináveis. Costa aprecia muito o "número" das quotas, mas seria risível imaginar que determinadas opções o foram por causa do "género" e não apesar dele. É muito bonito para a estatística, para o quadro de honra dos costumes e seria curto. Veremos, no terreno, a eficiência e a eficácia dessa específica capacitação político-sociológica. Aliás, a sociologia é uma formação que abunda no novo Executivo, logo a seguir à de socialista propriamente dito. Neste campo do "saber", estão lá praticamente todos os que Costa exibe intermitentemente como seus potenciais delfins. Mesmo que tivessem sido derrotados em eleições recentes, exactamente ao contrário do que sucede em França. Lá, os ministros têm de passar pelas "regionais". Se perderem, saem. Cá, entram directamente das televisões para o Governo. À última da hora, por causa do circo do anúncio dos nomes, terá saltado alguém que deu lugar a um desses comentadores de vários espectáculos, incluindo a bola, com epíteto de "independente". Na revista "Ler", de Julho de 2009, o agora ministro da Cultura era apresentado como "professor universitário e surfista". Para além de carregar uma prancha na fotografia, nessa altura já "carregava" o fardo de colaborador num blogue famoso do "socratismo" e de membro da comissão política de Ferro Rodrigues, no Rato, antes da devoção socrática levada até ao fim. O que é que perguntaria ao ministro da Cultura, uma questão nessa entrevista. "Como é que perante tantos constrangimentos orçamentais alguém aceita ser ministro da Cultura?" Tem quatro anos para responder a si próprio. Sem, ele e os outros, estados de graça.
o autor escreve segundo a antiga ortografia
Jurista