O empresário sírio Ziad Barazi, que o JN foi entrevistar na sua propriedade do Alto Minho, afirma nesta edição (página 26) que "ninguém imaginou que pudesse acontecer" aquilo que diariamente vemos ocorrer na Síria. Vinda de um técnico, "não de um político", a afirmação a roçar o ingénuo pode justificar-se. Afinal, nas grandes lides diplomáticas mundiais, aquelas que sempre se mostraram complacentes para com o regime dos ditadores al-Assad (pai e filho), sempre se menosprezaram os sinais de que na Síria poderia suceder o que todos os dias é noticiado na maioria dos media mundiais: um ataque desenfreado do regime contra civis escudado numa ofensiva à resistência do Exército Livre da Síria.
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A carnificina que Damasco tem espalhado por todo o território tem multiplicado as ameaças de intervenção contra o país por parte daqueles que sempre ignoraram os tais sinais do que poderia acontecer, com os Estados Unidos à cabeça.
A comunidade ocidental sabe, no entanto, que afastar Bashar al-Assad do Poder não é um processo tão simples quanto foi, por exemplo, o que destronou Kadhafi na Líbia. Os alicerces do regime de Assad estão assentes num poderio militar ímpar na região, numa Polícia treinada para o proteger, num sistema judicial criado para o defender e numa economia que sempre o engordou financeiramente. Será, por isso, muito difícil fazer cair Bashar sem que, com ele, caia a própria Síria. E a queda da Síria - mais do que a do líder do regime - pode ter um efeito dominó na região de consequências imprevisíveis, a começar pelo vizinho Líbano. Ainda ontem, a morte de um líder religioso sunita (o mesmo ramo do Islão a que pertence a Oposição síria) às mãos de um atirador, numa cidade libanesa, fez crescer os receios de contágio do conflito que se vive no outro lado da fronteira. E os medos não são de agora.
É assim desde os tempos de Hafiz al-Assad (pai de Bashar), o ditador xiita que o Ocidente sempre se habituou a olhar como aliado diplomático no complicado puzzle do Médio Oriente sem dar atenção à repressão que florescia no interior da própria Síria. Doze anos depois de ter chegado à presidência do país, Hafiz aniquilou 10 mil cidadãos na sequência de uma campanha movida contra si pela Irmandade Muçulmana perante a total indiferença dos Estados Unidos.
Um silêncio cúmplice que haveria de durar até ao envolvimento sírio no Líbano, na década de 70, entretanto transformado em ocupação, até à saída das forças de Damasco de Beirute, em 2005, já sob a batuta do atual presidente, oftalmologista de formação, que sucedeu ao pai, devido à morte, num acidente, do irmão mais velho, natural sucessor de Hafiz.
Desde então, a comunidade internacional tem usado Bashar al-Assad, como antes usara o pai, na mediação do conflito regional com Israel. Bashar, por seu lado, musculava o regime contra qualquer laivo oposicionista e, ao mesmo tempo, reforçava laços com o também regime xiita de Teerão. E foi esta cumplicidade com o Irão, mais do que a repressão contra o seu próprio povo, que começou a preocupar Washington. Porque, também neste conflito, não há nações inocentes.