<p>A remuneração de António Mexia, presidente da EDP, tem andado nas bocas do mundo. Ganhando 3,1 milhões de euros em 2009, Mexia saltou para as primeiras páginas dos jornais, pelo simples facto de que tal valor é quase pornográfico num país em crise. Os gestores públicos e os gestores de empresas participadas pelo Estado devem ser bem pagos. Mais: o Estado só terá possibilidade de ter bons gestores consigo se lhes pagar bem, se lhes pagar o suficiente para que esses gestores não fujam para o privado. Mas deve haver um limite, sob pena de ninguém mais acreditar que os sacrifícios tocam a todos, que o topo da hierarquia também está de algum modo a pagar a crise.</p>
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Ora, com o ordenado de António Mexia, não é isso que acontece. Diga-se desde já que o valor chega aos 3,1 milhões, juntando 700 mil euros de salário fixo, e bónus anuais e plurianuais, referentes a anos anteriores. Em 2008, segundo o "Diário de Notícias", Mexia só recebera 1,3 milhões. Não está em causa saber-se se Mexia é ou não um bom gestor. Basta que se saiba que é geralmente muito considerado no meio. Mas a questão é outra. Tendo a EDP uma participação de 20% do Estado, a questão está em saber se, em plena crise, o mesmo Estado que impõe restrições pesadas ao comum dos cidadãos pode ser tão benevolente nos prémios que concede aos gestores que levam as suas empresas a atingir bons resultados.
Num país com mais de meio milhão de desempregados e com as dificuldades que todos vamos conhecendo - alguns, pelos vistos, só de ouvir contar - não faz sentido que haja quem, servindo uma empresa participada pelo Estado possa ganhar mais de cem vezes o ordenado médio dos seus concidadãos. Se o Governo quer que as medidas de austeridade sejam acatadas é bom que cuide que todos contribuem, ou ninguém aceitará os sacrifícios que nos são pedidos, pela simples razão de que ninguém acrediatrá que tais medidas são justas ou podem combater a crise.
Nos primórdios da democracia, a UDP (hoje integrada no Bloco de Esquerda) lançou duas palavras de ordem que fizeram escola: uma dizia que "o custo de vida aumenta e o povo não aguenta"; a outra, mais directa clamava: "os ricos que paguem a crise". Lidas friamente, ambas as frases enfermam do mesmo mal, o radicalismo. Mas ambas contêm uma moral que só faz bem, trinta e tal anos depois, recordar e recuperar. É que, para combater a crise também são necessários princípios. E, sem eles, nenhuma autoridade resiste.