"Oh vós que entrais, perdei toda a esperança", esta frase inscrita à porta do Inferno - segundo a "Divina Comédia", de Dante Alighieri - resume a mensagem que o primeiro-ministro transmitiu aos seus concidadãos, na entrevista concedida à TVI, na noite da passada quarta-feira.
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Nem as previsões erradas, os fracassos consumados das medidas adotadas, as consequências desastrosas já evidentes no quotidiano das pessoas e na vida das empresas, nem o clamor de protesto que cresce das ruas, nada irá alterar o rumo suicida da sua governação. Ficamos a saber que, se o orçamento para 2013 já parecia muito mau, o orçamento de 2014 não irá ser melhor. Que até fevereiro, o Governo vai ouvir o FMI, o Banco Mundial e a OCDE sobre as medidas que pretende aprovar para cortar 4 mil milhões de euros na despesa pública, a título permanente, mas que entre fevereiro e junho irá ouvir a sociedade civil sobre a reforma do Estado... presume-se, para eventuais acertos contabilísticos! A desorientação do Governo, manifestamente, parece não ter limites.
A crise da moeda única vem sendo agravada pela insuficiência das medidas adotadas pela União Europeia, o que, como sabemos, condiciona a nossa capacidade de resposta à ameaça comum. Todavia, em vez da exigência óbvia de maior solidariedade europeia, ficamos a saber que a principal iniciativa tomada pelo Governo no âmbito da União foi reclamar que também Portugal e a Irlanda pudessem beneficiar de qualquer melhoria eventual das condições do resgate aprovado para a Grécia. A mesquinhez e o cinismo parecem não ter limites!
A coesão do Governo, a consistência da coligação partidária que lhe garante o apoio maioritário no Parlamento e a "excelência" das relações institucionais com o Presidente da República foram teimosamente reiteradas, mas apenas enquanto "convicção", pelo primeiro-ministro - quando, na verdade, se multiplicam os sinais de incomodidade e profunda divergência no interior do Governo, na coligação e no Estado. Não era difícil de prever que o Governo não chegaria ao fim da legislatura mas ninguém esperava tamanha obstinação e indiferença perante os sacrifícios insuportáveis e os danos irreversíveis desta "austeridade a todo custo" que está a destruir o país. O grau de deterioração da credibilidade do Governo atingiu um ponto irreversível e já não se cura com panaceias de remodelação governamental. Não há, por isso, outro caminho para travar essas políticas senão a demissão do Governo e a negociação urgente de outra fórmula e de um novo programa governativo, no quadro da atual Assembleia da República, que seja capaz de lhe assegurar o apoio maioritário de que carece.
Embora lhe caiba nomear e demitir o Governo, dissolver o Parlamento e convocar eleições legislativas antecipadas - em certas e contadas circunstâncias! - a "governação" não faz parte das atribuições do Presidente da República. É, antes do mais, aos dois partidos da coligação que cabe reconhecer o falhanço desta experiência de governação e, por conseguinte, a responsabilidade política de procurar uma solução alternativa capaz de gerar solidariedades mais vastas na sociedade portuguesa e uma intervenção enérgica e autónoma na União Europeia.
O arrastamento da crise política ou a dissolução do Parlamento não podem ser considerados, nas presentes circunstâncias, como uma alternativa desejável. Para além do estafado argumento da previsível "reação dos mercados" - todavia bem real - convém não esquecer que nos encontramos ainda no âmbito temporal da legislatura iniciada pelas eleições de 2009! Se o país entrasse num ciclo vertiginoso de eleições - ano sim, ano não - estaríamos a queimar etapas para alcançar a Grécia numa maratona de adversidades e tormentos que nem mesmo os gregos nos desejam, apesar de todas as provas de falta de solidariedade que lhes temos dado. Estaríamos a desqualificar a democracia, a degradar o valor da legitimação democrática e a comprometer seriamente as conquistas constitucionais da revolução de abril. É tempo de cada um assumir as responsabilidades que lhes foram confiadas pelos eleitores e de o primeiro-ministro dar o exemplo e abrir o caminho da sucessão.