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Na sessão de ontem do julgamento do ex-primeiro-ministro, Sócrates revoltou-se com o modo como a juíza insistia em dirigir-se a si. À sua maneira, como na canção dos Xutos & Pontapés, o engenheiro fez por ser claro e irrebatível - para ele era fortemente desrespeitoso que a meritíssima o tratasse por "senhor", como se ele fosse (acrescento agora por minha conta e risco) o Zé Maria das couves ou o Xico da tasca da esquina. Não o é, sou capaz de concordar. José Sócrates ganhou eleições, foi o primeiro socialista a conquistar uma maioria absoluta em legislativas e porventura, até mais do que Cavaco Silva, terá sido o político em democracia que acumulou um poder, também ele, (quase) absoluto. Sim, seria diferente se estivesse sentado no banco dos réus um trolha ou um vendedor de catalisadores. Porém, ao invés do que pensa, a diferença só o desfavorece. E é curioso que nele não haja um pingo de pensamento em relação ao paradoxo. É que tendo sido tanto, tendo tido a confiança de milhões de portugueses, nem por isso tal privilégio o travou na sede e fome de querer tudo. Sócrates tem assim razão pelos motivos errados. Quando pede à juíza para não o tratar por "senhor" é certeiro sem saber que o é. Porque ser um "senhor", como um trolha honrado ou um pasteleiro que não vê a luz do dia, não é para todos. Afinal, não é "senhor" quem quer, mas quem merece. Até nesse tolo arrufo percebemos a massa de que é feito este homem sem habilitações para compreender uma palavra que deveria ser de honra.