Assim se podem resumir os dois factos políticos da semana. A sensibilidade, ao estilo emocional de Marianne no romance homónimo de Austen, de Marcelo Rebelo de Sousa e o bom senso teimoso e racional de Elinor, personificado por António Costa.
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Na verdade, talvez só os mais incautos acreditem na sensibilidade pura de Rebelo de Sousa. Por detrás do personagem afetivo e até impulsivo que construiu durante a campanha está seguramente um homem com um instinto político invulgar cujo percurso se deve mais ao bom senso da razão do que aos arroubos do sentimento.
A generalidade dos seus votantes também sabe isso, o que facilitou duplamente a coisa. O bom senso aconselhou a diversificação, neste momento de governação experimental mais à Esquerda e, já agora, que o protagonista esbanje sensibilidade até torna tudo mais fácil.
Já António Costa não abandona, nem por um minuto, o seu pragmático e frio bom senso. Quanto às presidenciais, na mais pura tradição austeniana, assumiu a postura contida de Marianne que espera, sem quebrar nenhuma convenção, o final feliz com Ferrars. Porque todos sabemos que Rebelo de Sousa é, por agora, o seu final feliz presidencial.
Por maioria de razão, sem qualquer garantia de um final feliz, apostou num intróito ao Orçamento do Estado minimalista e desarmante. De um só golpe desengatilha os potenciais críticos à Esquerda e à Direita.
Os acordos à Esquerda estão cumpridos e o papão do aumento do consumo privado foi devidamente neutralizado. A crítica ao otimismo das previsões é o de menos. Nenhum Governo da terceira República acertou uma única.
Entretanto, mantém o espaço de manobra de que precisa para recomeçar a partir de Bruxelas.
O enredo só diverge do romance porque o vilão, o festeiro e estouvado Willoughby, está a milhas de distância de Jerónimo de Sousa que, face ao resultado eleitoral, não hesitará, caso tenha de ser, em provocar uma ação muito racional do presidente eleito, que Costa procurará compensar com a máxima sensibilidade.
É que no fundo, tal como quis demonstrar Jane Austen nos idos de oitocentos, o primado das aparências é falso e perigoso. Só que, quando a escolha é impossível, resta-nos a corda bamba do equilíbrio. E aí talvez os atuais protagonistas estejam à altura.