Chegou ao fim o ciclo eleitoral que manteve o país ocupado desde fins de Maio. Quando muitos o davam por defunto, o PS ressuscitou com uma vitória nas legislativas e um desempenho muito bom nas autárquicas, em que voltou a crescer em número de votos.
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Também o centrão que, apenas há duas semanas, parecia agonizante reapareceu em todo o seu esplendor nas autárquicas, pintando o país a duas cores, podendo fazer da Associação Nacional de Municípios um fórum a que valha a pena estar atento. Aí e, mais ainda, na Área Metropolitana do Porto, tem o PSD os seus dois bastiões de poder. Será que Rui Rio vai mesmo resistir à tentação de o usar? Menezes já ontem lhe estendeu a mão... A seguir com atenção.
Quando se olha com mais atenção para o mapa autárquico, mesmo ao nível municipal, é impossível não ficar chocado com a diversidade de situações existentes, com municípios com áreas enormes e pouquíssima população e, outros, com uma densidade demográfica elevadíssima. Desde o advento da democracia, nada de relevante se fez neste domínio. O que não é de estranhar: um poder centralizado, distante, não só não sabe o que fazer, como tem medo de fazer. Ou, talvez mais realisticamente, nada faz por não lhe ser conveniente: evita conflitos e mantém o poder fragmentado. Um poder intermédio, mais próximo dos problemas, mais conhecedor das necessidades das populações, teria mais facilidade em construir uma orgânica que, servindo melhor os interesses locais, fosse mais eficiente, poupando recursos. Mas, para isso, era preciso que existisse... O que não convém nem ao poder central, paternalista, nem aos caciques locais. E isso explica muita coisa.
Infelizmente, tudo indica que esta não será uma prioridade para o próximo governo. A pretexto das coisas urgentes. Como se houvesse algo mais urgente do que o território e o seu povo. Como se fosse possível resolver o problema do desemprego, ignorando as diferenças entre as pessoas e as suas ocupações, ou encontrar um novo modelo de desenvolvimento a partir de modelos abstractos que fazem tábua rasa do país ou fazem do país uma tábua rasa.
Um governo minoritário não se mete em questões polémicas, ditam os analistas. Constrói consensos que lhe garantam a sobrevivência. Se não tiver uma linha de rumo, uma ambição, é isso mesmo que se limitará a fazer: sobreviver. Até ao momento em que os parceiros ocasionais, surgindo a oportunidade, lhe tirem o tapete fazendo-o passar à história sem honra nem glória.
Repito o que aqui escrevi na semana passada: este será o teste de fogo da qualidade de estadista de José Sócrates. É preciso determinação e coragem, ao serviço de um projecto para o país, sem o que acabará enredado em negociatas pontuais, chantageado pelas bravatas demagógicas de quem quer instrumentalizar o poder em favor das suas clientelas eleitorais.
Portugal já perdeu muito tempo. Demais? Talvez não. Talvez ainda tenha tempo de arrepiar caminho e evitar derrapar pelo plano inclinado que temos vindo a cavar à nossa frente. Impõe-se transmitir este sentido de urgência à sociedade, não ocultar dificuldades e recusar o "canto das sereias" das soluções fáceis, de curto prazo, que nos empurram para o abismo. Um desafio à altura de um governo minoritário que queira ficar na história.