<p>1. Andam por aí umas almas convencidas de que o voto em branco pode, um dia destes, constituir-se em partido dos que não gostam dos partidos. Não é a primeira vez que o coelho sai da cartola, para seguir os trilhos do mais rasteiro populismo. À beira de eleições, há sempre quem apareça a sugerir o voto em branco como chicote nas mãos do cidadão. Como "eles são todos iguais" (o "eles" contempla o barrete indiscriminadamente enfiado na cabeça dos políticos, assente na ideia de que política e pulhice se escrevem quase com as mesmas letras) merecem um manguito, não um voto. Até porque "só nos chamam para votar", como se ouve com frequência.</p>
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O voto em branco é tão útil como o nulo ou a abstenção. Não serve rigorosamente para nada, ainda que possa alojar descontentamentos das mais diversas extracções. Aos que o brandem como arma - alegando, regra geral, que é o único acto de intervenção na causa pública que a democracia oferece - devem ser feitas umas quantas perguntas simples. A quantas reuniões de assembleia de freguesia compareceram? Em que associação cívica estão filiados? Alguma vez aceitaram participar em corpos sociais de sindicatos, por exemplo? Já se envolveram em processos de consulta pública de projectos em curso? Quantas vezes apresentaram uma simples reclamação? Pois é: ser cidadão dá trabalho. Rouba tempo ao lazer, reclama tomadas de posição, exige que ajudemos a gizar soluções alternativas. Não basta vociferar contra "eles" para o microfone mais à mão, nem dar-se ares de irritação perante a câmara de televisão que nos calha em sorte.
2. Andam para aí umas almas convencidas de que nós não pagamos a União Europeia. Imposto europeu? Vital Moreira lançou a bisca sem rede, sem compromisso eleitoral que a autorizasse, quanto mais com debate prévio que a suscitasse. Gaguejou, meteu os pés pelas mãos, ao justificar a proposta, mal percebeu quão impopular é a referência a impostos na hora da disputa pelo voto. Fatal como o destino: os adversários caíram-lhe em cima.
Nenhum usou - poderiam ter usado - o argumento de que um imposto europeu seria mais um tijolo (ou uma parede inteira) no edifício do federalismo. Apressaram-se a ser porta-vozes do sentir do povo: nem pensar em mais impostos! Como que a convencer-nos de que o dinheiro dos fundos estruturais cai do céu. Ou que Bruxelas assume as despesas com os eurocratas, Berlim oferece os subsídios para a agricultura, Paris rapa do fundo do cofre para os salários dos eurodeputados, Londres passa o cheque para o funcionamento do Tribunal de Justiça das Comunidades, Roma assegura as ajudas ao desenvolvimento e por aí fora. Todos menos nós, que da Europa só recebemos, não contribuímos.