Ser português não é crime, mas é pecado
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Primeiro, rejubilámos. Depois, enfartámo-nos. E agora regurgitamos. A comoção nacional em torno do altar-palco e do volumoso orçamento da Jornada Mundial da Juventude é apenas mais um gomo na sumarenta história de falhanços, distrações e irresponsabilidades de um país que faz tudo às três pancadas, que não planeia, não antecipa, de um país que, no fundo, é demasiado pequeno para depositarmos nele uma fé sem reservas. Seria apenas ingénuo pensarmos que não haveria custos elevadíssimos associados a um evento que vai reunir, em Lisboa, todo o mundo católico. E seria apenas tonto acreditarmos que, malgrado a frugalidade do Papa Francisco, o Vaticano aceitaria colocá-lo num palco (físico e metafórico) que não fosse condizente com a condição de um chefe de Estado que também é um líder espiritual e religioso. Em particular nesta fase, de profunda renovação interna da Igreja Católica e de intensa procura por um sentido junto das jovens gerações desencantadas.
Invocar, por isso, espanto perante tamanhas evidências serve apenas para nos distraírem do essencial. E o essencial é uma fatídica revisitação: acordámos tarde e a más horas para um evento "ganho" em 2019, ancorados no nacional-porreirismo de que tudo se faz, com mais ou menos boa vontade, com mais ou menos dinheiro dos contribuintes, abrindo a torneira dos ajustes diretos bem para lá do aceitável, e que no final o que importa são os foguetes e a imagem do país. E é aqui que a distorção assume a verdadeira face do absurdo. Ninguém deseja que Portugal faça má figura, mas não naveguemos no Olimpo quando ainda temos o pé em terreno agrícola. A generalidade dos portugueses, católicos e demais, enfrenta enormes dificuldades para tocar os dias, as bolsas de pobreza estão cada vez mais elásticas, o custo de vida é um rolo compressor. Somos, globalmente, um país pobre. Não queiramos, por isso, passar a imagem do novo-rico que impressiona os outros durante uns dias, mas que, no final do mês, não tem onde cair morto. E este bem que podia ser o título de um guia espiritual pensado à medida da nação: ser português não é crime, mas é pecado.
*Diretor-adjunto