Ser profissional da saúde não é um emprego
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Ainda a propósito da morte por aneurisma cerebral, um subdiretor de um órgão de comunicação, daqueles que comenta tudo mesmo sem conhecer os assuntos e as realidades, num atabalhoado e contraditório artigo, afirmou que "ser profissional da saúde não é apenas um emprego".
Segundo ele, "É preciso averiguar e punir com rigor quem for responsável por estas mortes". Mas atenção, tem logo o cuidado de esclarecer que os políticos até podem ter culpas, mas os médicos é que são os responsáveis! Portanto, punir com rigor desde que seja um médico, mas nunca punir com rigor um político...
Conforme escreve o senhor subdiretor, "Pode ter havido cortes excessivos na saúde que têm de ser corrigidos. O que não pode, nunca, ficar em causa é a saúde dos doentes".
É a quadratura do círculo.
Por mais cortes que sejam feitos, por muito que os serviços sejam desorganizados por maus ministros, por muito material ou medicamentos que faltem, por mais que os profissionais de saúde sejam desconsiderados, os médicos, esses, têm de continuar sempre a trabalhar, a nunca errar, mesmo que exaustos e desmotivados, e a manter-se permanentemente disponíveis, porque efetuaram o "Juramento de Hipócrates". Os políticos e os administradores, como não juraram nada (e mentem muito) não são penalizáveis pelos "cortes e decisões excessivas"...
Mesmo sabendo que não foi pelos médicos que as equipas foram suspensas, este douto jornalista protesta que "os médicos têm obrigação... e não podem, com desculpas de cortes salariais, tentar virar o bico ao prego." Por conseguinte, os médicos até têm de aceitar as culpas objetivas de outros, têm de trabalhar sem condições e sem equipa (mesmo que isso prejudique os doentes) e têm de continuar no seu posto de trabalho ainda que lhes paguem mal.
Para este subdiretor, ser médico é ser uma espécie de mecânico robotizado, sem alma, sem família, sem necessidades e sem cansaço, ajoujado por todas as obrigações, mas sem nenhuns direitos, porque prometeu dedicar a "vida ao serviço da Humanidade".
É pena que este subdiretor não tenha capacidade de entendimento para perceber que a expressão que utilizou, com a qual, sublinho, estou inteiramente de acordo, tem óbvia aplicação bidirecional. Sim, é verdade, "ser profissional da saúde não é apenas um emprego". Por isso mesmo, não tratem os profissionais de saúde como meros empregados, deem-lhes condições de trabalho com qualidade e dignidade e remunerem-nos de acordo com a longa formação, risco, exigência, sensibilidade e stress da profissão!
A saúde é o bem mais complexo, precioso e insubstituível das pessoas. Os médicos, porque salvam vidas, não merecem ser tratados pela sociedade como balconistas de uma qualquer mercearia que vende "coisas" a clientes.