Ano após ano, a história repete-se: a idade média do parque automóvel nacional é elevada e Portugal é já o sexto país da União Europeia (UE) com o parque automóvel mais envelhecido, distanciando-se, cada vez mais, da média europeia. De facto, um em cada quatro automóveis em circulação em Portugal tem mais de 20 anos e, em 2022, a idade média dos veículos entregues para abate fixava-se nos 23,5 anos.
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Estes dados reflectem uma realidade que acarreta graves consequências, não só a nível económico, mas, também, ambiental. Devido a este envelhecimento, mais de metade dos carros actualmente em circulação é a gasóleo (58%), contrariando o actual domínio da gasolina na compra de unidades novas e, também, a evolução do mercado de veículos eléctricos, que, em 2022, registou um crescimento de 34,4%. Por outro lado, há que ter em conta que, quanto mais antigo for o carro, menor é a receita arrecadada pelo Estado: todos os automóveis matriculados antes de 30 de Junho de 2007 pagam Imposto Único de Circulação (IUC) apenas conforme a cilindrada - e uma taxa adicional se for uma unidade a gasóleo. Já os veículos com matrícula a partir de 1 de Julho de 2007 pagam IUC sobre a cilindrada e as emissões poluentes. Além disso, o envelhecimento dos carros tem, também, consequências a nível da segurança.
Perante esta tendência - cuja origem está directamente ligada à crise económica e ao fim dos incentivos ao abate, medida revogada em 2017 -, é urgente que o Governo reintroduza mecanismos de incentivo ao abate de veículos em fim de vida. Neste ponto, destaque-se o Acordo de Melhoria de Rendimentos, celebrado entre o Governo e os Parceiros Sociais, que prevê "a implementação de um plano de abate de automóveis ligeiros de passageiros em fim de vida" ou o próprio Orçamento do Estado para 2023, que prevê "a criação de um mecanismo que implemente a renovação do parque automóvel", incentivo que deverá acumular com outros instrumentos actualmente em vigor.
Há também outro factor a ter em conta. Em 2022, a importação de ligeiros de passageiros usados representou 67,1% do total de matrículas em Portugal, tendo sido matriculados 104.908 ligeiros de passageiros que já tiveram uma matrícula noutro Estado. Portugal sempre foi um mercado que teve uma grande penetração de veículos importados usados, mas essa fatia correspondia a apenas 20 a 25% do mercado. Esta subida exponencial, que se deve a uma falta de veículos usados no mercado português, também contribuiu para o envelhecimento do parque automóvel português, já que a idade média dos automóveis registados era de sete anos, segundo os dados oficiais.
Face a este cenário, a primeira preocupação que temos é ambiental. Temos um parque automóvel antigo, que é poluente e precisa de ser renovado. Um veículo que entre, por isso, no nosso país com sete anos, independentemente do mercado de origem, está a contribuir para o aumento das emissões em Portugal, o que é algo muito contraditório com o discurso político.
Por outro lado, um parque antigo também nos traz problemas ao nível da própria segurança rodoviária. E aqui, infelizmente, ainda temos números muito negativos, no nosso país, ao nível da sinistralidade rodoviária. E todos temos, em conjunto, de combater este flagelo.
Uma coisa é certa, e tem sido referida a nível europeu! O sector automóvel, por si só, não pode fazer este caminho sozinho. São necessários apoios públicos, nos incentivos à electrificação, no reforço da rede de carregamento para veículos eléctricos e na criação de um sistema de incentivo ao abate de veículos em fim de vida, como fizeram já outros países. E, tal como os estudos têm demonstrado, este Plano pode mesmo ter um retorno favorável para o Estado quer ao nível fiscal (receitas adicionais de IVA, ISV ou IUC) quer ao nível da redução de consumos e de emissões. Segundo os cálculos, a introdução deste Plano de renovação do parque automóvel iria conduzir a uma poupança de consumo de combustível equivalente a 33.000 barris de petróleo e à redução de emissões equivalentes a 10.800 toneladas de CO2/ano!
Na vizinha Espanha, o Governo veio anunciar o alargamento, até 31 de dezembro deste ano, do Plano Moves III, que apoia a renovação do parque, majorando o incentivo com o envio de veículos para abate. E, como grande novidade, a própria Junta de Governo da Cidade de Madrid veio anunciar a criação do Plano Cambia 360-Turismos, para apoio à aquisição de novos veículos de baixas emissões ou de zero emissões.
É, por isso, crucial que o Governo cumpra agora a sua palavra e implemente a medida constante do Acordo de Rendimentos, assinado com os Parceiros Sociais, no sentido da implementação de um plano de renovação do parque automóvel.
Todos sabemos que, no futuro, o carro terá um papel um pouco diferente do que assume actualmente, sobretudo dentro das cidades, sendo fundamental para uma mobilidade que se pretende que seja sustentável e mais multimodal. Mas, é ainda absolutamente utópico pensar-se que o problema se resolverá a 100%, sem uma profunda alteração do parque em circulação.
É, por isso, dever do Governo e de todos nós garantir que os mais de sete milhões de automóveis em circulação em Portugal não se irão tornar no motivo para que os nossos filhos não possam desfrutar de cidades e de um país limpo e sustentável. Será este, afinal, um país apenas para (carros) velhos?
Secretário-geral da ACAP - Associação Automóvel de Portugal