A minha primeira memória é a de rezar para ter uma árvore de Natal. Éramos pobres, mas eu tinha sonhos que imaginava serem apenas de meninos ricos que dormiam com edredões e moravam em casas com despensas onde cabiam palácios. Sonhava e pedia a Deus para ser um miúdo afortunado com luzinhas de Natal que piscassem durante a madrugada, para ter uma casa com lareira como via nas fotonovelas da avó, prendas para desembrulhar e um salvo-conduto para não ir à guerra. Sim, lembro-me de pedir isso a Nossa Senhora: nunca me chamarem para morrer num lugar em que não soubesse voltar para as únicas ruas que conhecia de olhos fechados, as de um bairro com um cinema onde parava para ver os cartazes dos filmes que não eram para mim ou da pastelaria que vendia barquinhos de doce de ovo que comia apenas quando a mãe estava feliz por me poder oferecer um miminho. Passaram tantos anos. Deixei de pedir coisas a Jesus, nunca mais me lembrei dos sonhos, o cinema e a pastelaria já não existem e começo a esquecer-me do timbre da voz da minha mãe, linda de morrer, a mais bonita mulher que vi em toda a vida. Hoje, os meus filhos são parecidos aos que eu acreditava serem ricos, mas eu continuo a chorar sozinho quando na minha sala vive uma árvore iluminada. Continuo a ser, no mais fundo do que me reconheço, a criança que nunca soube brincar, o menino que achava sempre que o porteiro do cinema iria fechar a porta para que me fosse impossível ter um cavalo, ser pistoleiro e fugir da pobreza como os índios do John Wayne.
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