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Quando em setembro passado retomei a minha colaboração com o JN, após sete longos anos de ausência motivada por razões profissionais, referi-me na primeira crónica ao anúncio feito pelo ministro da Administração Interna sobre a elaboração de legislação tendo em vista evitar a degradação da paisagem urbana. Algumas semanas antes, o Governo avançara com a ideia de criar dificuldades à proliferação de pichagens que conspurcam as nossas cidades e degradam a imagem do espaço público, para procurar controlar um fenómeno que tem vindo a apresentar uma visibilidade crescente.
Congratulei-me com a iniciativa, embora considerando não ser apenas com legislação apertada que seria possível suster os bandos urbanos que usam essa prática para marcar o território "...até porque, já hoje, tal não é permitido". E acrescentava que, sendo uma boa iniciativa, só poderia haver sucesso com o envolvimento de todos os poderes. Seis meses vão passados e do referido anúncio do Governo não se conhecem quaisquer consequências.
Mas esta semana o JN foi a Guimarães ouvir o presidente da Câmara sobre a proteção do património da cidade, agora muito enriquecido com os investimentos decorrentes da sua qualificação como Capital Europeia da Cultura. Surpreendido com a qualidade do que via naquela arrumada cidade, o jornalista perguntou ao presidente António Magalhães por que é que não se viam pichagens na paisagem urbanística. Resposta: "Temos uma brigada especial equipada para limpar tudo o que vai sendo detetado. A sua ação prioritária é o espaço urbano classificado, sem descurar o restante". Simples e eficaz. No fundo, é tudo uma questão de querer.
2. Esta foi uma semana que o Governo vai querer esquecer. Confusões, precipitação, vozes dissonantes, tivemos de tudo um pouco.
Primeiro, foi a mais confusa das trapalhadas com o TGV.
O ministro das Finanças começou por anunciar que o Governo conseguiu salvaguardar o financiamento comunitário do projeto Lisboa Madrid, tendo chegado a acordo com a Comissão Europeia para o financiamento da obra. E acrescentou que tal permitirá um muito menor dispêndio de verbas por parte do Estado português por, além do mais, se ter conseguido aumentar substancialmente o nível da comparticipação comunitária.
Eis senão quando, vem o ministro da Economia esclarecer que não está prevista qualquer iniciativa por parte do Governo para que o projeto de alta velocidade seja retomado no período da atual legislatura.
Ainda se ouvia o eco das declarações de Vítor Gaspar e já de Bruxelas vinha o aviso de que nada tinha sido decidido pela Comissão acerca do projeto português de alta velocidade. O episódio seguinte é o de um secretário de Estado - o dos Transportes - a pôr ordem nas declarações dos dois ministros, afirmando sem vacilar que o TGV foi cancelado de forma irreversível. Morreu e enterrou-se. Nada de velocidades estonteantes. Passaremos a ter, isso sim, o LTM (Linha de Transporte de Mercadorias) com o mesmo traçado do anterior, sendo isso simples coincidência. E como se tudo isto não bastasse, surge a informação de que a Parpública veio beneficiar de um financiamento de 700 milhões de euros destinados ao falecido TGV, antes concedido pelo BEI e três bancos portugueses para apoiar o projeto. Já que o dinheiro estava disponível, aproveitou-se para tapar um buraco. Perceberam? Tudo clarinho como a noite!
Depois, veio a polémica com a nomeação do secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação, após a tentativa de branqueamento da sua passagem pela Sociedade Lusa de Negócios. Todo um desfiar de cenas pouco edificantes. O primeiro-ministro e o ministro da Economia a segurarem o secretário de Estado; o parceiro de coligação a demarcar-se da nomeação; e toda a Oposição a cavalgar de forma despudorada e pouco séria a fragilidade da situação. Até que por fim, e depois de muito ruído, uma entrevista do visado à RTP fez abrandar a excitação.
Finalmente e como se tudo isto não bastasse, tivemos um diretor-geral de Veterinária nomeado por um dia, para afinal ser designado secretário de Estado da Alimentação, o que deu também "pano para mangas" em matéria de debate profundo na Assembleia da República.
Se foi para distrair os portugueses das agruras da crise que todas estas cenas foram montadas, foi bem urdido. Mas se foi mais uma demonstração do descontrolo e descoordenação reinantes no seio da coligação, então, ainda bem que é Carnaval. É que, no Carnaval, ninguém leva a mal.