O Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a dar sinais preocupantes de desorganização. Faltam médicos? Não, dizem todos os especialistas. Há, isso sim, carências nalgumas especialidades e regiões do país. Falta dinheiro? Não, diz o ministro das Finanças. Falta liderança e capacidade de antecipar os problemas. Não, diz a ministra da Saúde, que "só" está no cargo desde 2018, quando integrou o Executivo que se encontrava ao leme desde 2015. A culpa vai morrer solteira?
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Ninguém duvida que a pandemia sobrecarregou de forma brutal o SNS e todos os seus profissionais. Alturas houve em que a marcação de férias esteve vedada. Imaginemo-nos na pele de um trabalhador impedido de reservar o seu período de descanso. A questão não estará nem no espírito de abnegação dos médicos nem no dos enfermeiros. O problema residirá certamente na falta de organização do trabalho e na ausência de uma estratégia.
Pensar em termos estratégicos significa antecipar problemas. Quantos médicos vão sair para a reforma até determinada data? Quantos desses profissionais estamos a formar? Quais são as necessidades das várias especialidades médicas e como se distribuem a nível regional?
A fábula do Pedro e do lobo assenta como uma luva aos desenvolvimentos do SNS ao longo dos últimos anos. Tanto se gritou que vinha aí a desgraça nas urgências que, quando ela se tornou mais evidente, ninguém acreditou. A palavra "conjuntural" tenta encobrir algo de estrutural. Recuemos, por exemplo, a dezembro de 2017, mês típico de gripe. "Está a acontecer mais uma vez o que já sucedeu em anos anteriores", disse então Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, considerando que "falhou o plano de contingência definido pela Direção-Geral da Saúde". O caos estava instalado nas urgências de norte a sul do país.
Avancemos para novembro de 2021. Às ondas covid, temia-se então que se juntassem os casos de gripe. Miguel Guimarães disse, à data, com clareza que havia vários especialistas "mais velhos" a sair do SNS. "Vamos ter aqui uma carga de excesso de trabalho no SNS, que devia estar já a ser acautelada, mas não sei se está", afirmou.
Falta definir uma estratégia para fixar profissionais no SNS e proporcionar-lhes carreiras aliciantes. Até porque pagar mais, por si só, não basta (...). É ainda necessário dar uma maior autonomia de gestão e responsabilidade às administrações hospitalares. O alerta foi deixado pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Num país em que 1,3 milhões não têm médico de família e três milhões têm seguros privados de saúde, pergunto-me "quo vadis" SNS?
*Editor-executivo-adjunto