Há um perigoso cheiro a sangue no ar. Depois de Seguro ter construído um monumento ao ridículo e destruído um ténue entusiasmo da sociedade por este hesitante e esclerosado PS, o Governo mascara-se de capuchinho vermelho e diz que está indeciso. Está perplexo. Com medo. Do lobo mau - o Tribunal Constitucional. Que é, afinal, a verdadeira oposição. O que quer isto dizer?
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Os juízes do Constitucional podem estar cobertos de razão jurídica e não poderem fazer nada mais do que interpretar a Constituição - porque ela foi escrita assim... Só quem não conhece o Direito acredita nesta história. O Tribunal Constitucional não aceita, sim, que funcionários públicos e pensionistas sejam as principais vítimas do défice público. Ora, isto, apesar de tudo, é mais política que Direito. Além disso, há o outro lado: se mil milhões em cortes não vêm daqui, vêm dacolá.
"Servidão fiscal" é o que isto significa, disse ontem o ministro da Economia, António Pires de Lima, lançando um mote coerente para os tempos que aí vêm. Um mote PSD/CDS que fratura a sociedade portuguesa entre os que pagam impostos, os funcionários públicos, e os que recebem do Estado. Porque é aqui que os problemas vão parar: quem paga a conta?
De uma vez por todas, o Governo (que Governo?) será chamado a despedir funcionários públicos em massa para equilibrar as contas. Um dia Vítor Gaspar falou em 150 mil. Porque os cortes nos salários eram uma forma de dividir o mal entre todos. Falta agora saber se também é impossível despedir funcionários. E, já agora - poderá extinguir--se serviços a eito sem despedir pessoas?
Se nada se pode fazer na despesa pública e o Estado continua com o défice e a dívida a crescer, Portugal está condenado. Bem sei que as pessoas falam sempre nas gorduras do Estado (o papel das fotocópias, o combustível das viaturas de serviço, os serviços de limpeza)... Falso. A indigência já está lá, repartição a repartição, escola a escola. Mas tudo isto junto é nada. No final são gotas quando comparadas com os custos do Serviço Nacional de Saúde ou do Ministério da Educação, Justiça, Administração Interna, Defesa...
O Estado não foi suficientemente diminuído até agora - não por falta de vontade. Como se despedem 150 mil pessoas, sobretudo num momento em que a economia privada não as absorve? E este Governo passou três anos a aumentar os impostos para fugir a esta terrível realidade.
Mas agora chegou a hora porque não há por onde fugir. IVA a 25% é uma fatalidade óbvia. Mas não resolve nada a médio prazo. E a economia real não aguenta mais. É impossível. Entretanto, este Governo, que falhou na reestruturação do Estado e instalou a servidão fiscal vai dizendo: a culpa é do Tribunal Constitucional porque nós não queremos aumentar impostos.
"Fim à servidão fiscal" é um extraordinário argumento de campanha eleitoral. Quem quer mais impostos? Ninguém. Portanto, para ganhar as próximas eleições, o PSD e o CDS têm do seu lado o argumento certo e com futuro: a mudança radical do Estado (que eles próprios não fizeram até agora). Contra isto, o que pode contrapor o PS? Promete apenas renegociar a dívida? Os credores vão-lhe exigir que arrasem a máquina do Estado para acreditarem que este país se equilibra e paga. Sem isso não haverá conversa.
Perante isto, e para nossa tragédia, Passos e Portas têm tudo a seu favor para quererem já eleições. Não têm mais para onde ir. Se esperam por Costa perdem por muitos mais. Enquanto isso, o PS é atropelado sucessivamente por um líder suicida para quem só o seu timing pessoal conta na hora de chegar ao poder - repetindo Passos em 2011¬. Pouco lhe importa o país.
Este Governo autoritário e predador disfarçou-se de capuchinho vermelho e está com medo... em reflexão... Uma vítima. Em busca dos portugueses que só têm uma certeza: não querem mais impostos. E só PSD/CDS podem, hoje sim, jurar que não vão aumentá-los após eleições. Uma boa parte dos pobres eleitores (que ainda votam), que já não aguentam mais, não acreditando em nenhum partido, tenderão a votar em quem, pelo menos, não é geneticamente a favor do Estado. Porque a questão terrível para quem vota ao "centro" é esta: entre Passos/Portas e Seguro, qual escolhe?