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Secretamente, sabemos todos que o verdadeiro recomeço, a passagem do 31 para o dia 1 que realmente faz sentido é o 31 de agosto para o 1 de setembro. Digo mais, se há altura para estrear uma parte de baixo nova, é quando ainda está calorzinho e não quando os dias acabam às cinco da tarde e não vamos para a cama sem encher uma botija de água quente. Ainda para mais, este ano bateu exatamente numa segunda-feira. Querem mais reset que isto? Eu fiz a minha parte. Comprei algum material para o trabalho, cortei o cabelo, tirei o buço e fiz o check-up anual imprescindível para me enganar a mim própria durante uns tempos com a ideia de ter de comer melhor e fazer exercício. É coisa para me deixar entretida a fazer de conta que tenho "uma missão" de adotar definitivamente um estilo de vida saudável. Fico sempre à beira do quase fazer as compras do mês no Celeiro e começar a incluir no meu cesto de compras produtos como endívias. Não bocejo quando me falam de suplementos e não reviro os olhos quando vem aquela do "tens de fazer várias refeições por dia. Eu desde que aprendi a fazer um snack que inclui umas bagas de groselha, um jerricã de água morna com limão e duas bolachinhas de cartão canelado, deixei de ter fome para jantar". No ano passado, o meu ponto de rutura foi ter vontade de McDonalds e me ter convencido de que os palitos de cenoura que eles vendem substituíam perfeitamente as batatas fritas porque li algures que "satisfaz os desejos de crocância". Não satisfaz, não. E basta isso para me fazer desistir. "Ah, comi duas batatas fritas. Bom, agora já não vale a pena. Rojões para o jantar?" E pronto, é um mês bem passado.
Mas este ano sinto que estamos todos muito alinhados. Posso dizer-vos que no fim de semana a entrada para a cidade esteve ao nível de porta da Primark em início de saldos. A verdadeira black friday foi esta última sexta-feira, em que famílias inteiras regressaram de luto pelo bronze que vai passar em duas semanas. Que raiva. Daqui a 15 dias, deixamos esta pele luminosa de quem foi beijada pelo sol para voltar àquele pantone cinza desmaiado que nos vai fazer andar nos corredores das lojas que já vendem artigos para o Halloween e não sabemos se aquilo é um zombie para pendurar à porta de casa, se somos só nós a cruzar-nos com o espelho. Para além disso, o regresso às aulas arranca na próxima semana e, ao contrário do Ministério da Educação com os professores, nós não queremos ter falta de nada. É a altura de os pais porem à prova a capacidade de manter o sangue-frio. Se acham que uma negociação que envolve reféns é dura, então nunca viram negociações de pais e filhos num supermercado durante a campanha de regresso às aulas sobre canetas de cores. Para além disso, é exigido aos pais que consigam gerir a criança que se atirou ao chão porque acabaram os estojos do Homem-Aranha, ao mesmo tempo que tentam descodificar na lista de material obrigatório o que raio é um lápis HB, um 3H e um 2B.
Agora que estamos regressados ao trabalho e à rotina, o meu conselho é encarar e aceitar que só faltam três meses para o ano terminar. A não ser que sejam como a Célia da contabilidade, que conseguiu marcar duas semanas em outubro e aproveitou a época baixa para fazer um cruzeiro all-inclusive e que vem de Miami toda bronzeada para o escritório com a mania de que agora é "balarina" de bachata só porque fez uma aula ao pé da piscina, enquanto o mais excitante que qualquer um de nós fez nos últimos dias foi tirar a roupa quente da arrecadação e meteu na cama o cobertor de inverno.
Posso dizer-vos que, no fim de semana, a entrada para a cidade esteve ao nível de uma porta da Primark em início de saldos.
A verdadeira black friday foi esta última sexta-feira, em que famílias inteiras regressaram de luto pelo bronze que vai passar em duas semanas. Que raiva. Daqui a 15 dias, deixamos esta pele luminosa de quem foi beijada pelo solo