Corpo do artigo
Bruno Vieira Amaral escreve bem. Escreve muito bem. Escreve maravilhosamente bem. E tem uma outra qualidade literária rara, bastante rara entre os escritores portugueses: não está interessado em mascarar as coisas com palavras. Nada do que dele li, e li muito, é um escondimento.
A sua obra respira a vida que falta a muitas respirações literárias: não quer que a linguagem, sólida - excelente - “exuberantemente sóbria”, seja uma momice, um truque de magia para entreter quem lê. Creio que para Bruno Vieira Amaral não é importante o leitor partilhar da interrogação típica de quem assiste a um truque de magia: “como terá feito ele aquilo?” No entanto, a magia está lá sem truque.
Bruno Vieira Amaral tem agora um novo livro na colecção “Portugal”, da editora Centro Atlântico, que nos deu pérolas como a edição da fotografia de Jorge Bacelar. Esta nova colecção pretende pôr “realidade e ficção no mesmo horizonte”, e “mergulhar com riqueza fotográfica e literária na nossa geografia”. O percurso faz-se região a região, melhor dizendo, de escritor a escritor (já conta com Rita Ferro, Patrícia Reis e ainda nos promete João de Melo), e pretende mostrar a alma dos lugares - por outra, inventar a alma que os escritores vêem nos lugares.
“Setúbal” é um bom livro, um óptimo ensaio ilustrado pelas fotografias de Libório Manuel Silva, simultaneamente editor e fotógrafo, que fazem jus ao texto.
As palavras brotam da serra da Arrábida e da cidade de Setúbal, fazendo um percurso geográfico que olha para cima, para um céu sempre antevisto nas pedras, nas ruas e nas pessoas que as habitam no tempo - e parece dizer que olhar para cima é como olhar para dentro. O texto busca pôr na alma um pouco de céu. Neste sentido, a imagem do rapaz do pintassilgo fica muito tempo pousada no espírito de quem leu.
Talvez o texto pudesse ter brotado de outra geografia, mas a geografia de Setúbal é a mais fértil. Quem escreve ajusta-se perfeitamente ao sítio escrito, pelo que a epígrafe de Joan Didion não podia ter sido mais adequada: “há lugares que parecem existir porque alguém escreveu sobre eles”.
Os lugares que existem no livro são temas como a melancolia, o espanto, o mistério, o enigma e o real, a claridade e a sombra, o profano e o divino, o presente e o passado.
Perguntam-me como é possível trabalhar estes temas sem os mascarar com palavras, sem tirar delas o brilho da verdade. A resposta não a dou eu, dá-a o livro. Basta lê-lo.
O autor escreve segundo a antiga ortografia