<p>As agências de rating atacavam, a bolsa caía a pique, os juros da dívida disparavam. Resumindo, instalava-se o pânico. Um país habituado a viver acima das suas possibilidades, demasiado dependente das obras públicas e do imobiliário, com uma taxa de desemprego galopante, confrontava-se com a necessidade de dar um sinal de rigor nas contas públicas. O Governo do país reafirmou uma série de medidas para reduzir a despesa e acrescentou-lhe mais uma, simbólica. Uma garantia ao cidadão de que, em horas difíceis, os sacrifícios são para todos: eliminou 32 altos cargos da Administração Pública e extinguiu 29 empresas públicas. A poupança não seria muita, mas a mensagem seria clara.</p>
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Foi na semana passada, mas no país com quem partilhamos a Península. Do lado de cá da fronteira, o filme foi diferente. Do género burlesco. As agências de rating também atacaram, a bolsa deu um trambolhão, os juros da dívida entraram em roda livre. E também se instalou o pânico. Os líderes dos dois maiores partidos, revelando sentido de Estado, logo se juntaram, o suficiente para permitir a sensação de que havia receita para salvar a nação. No final, posaram para as objectivas , com ar sério e poses idênticas.
Também por cá há cortes para executar, um número excessivo de "boys" em direcções gerais e regionais, e de "golden boys" em empresas públicas e público-privadas. Mas isso de extinguir empresas e cargos, ainda por cima bem remunerados, só contribuiria para aumentar a taxa de desemprego, que já vai alta, e diminuir o salário médio, que já vai baixo. A cortar, que seja nos que já estão com a vida estragada: os desempregados.
Reparem: um desempregado pode receber um subsídio entre 400 e 1200 euros. Uma fortuna. Depois, é sabido que estão a aumentar os casos de desemprego de longa duração. E todos sabem que não falta emprego, sobram é calaceiros. Solução desencantada pelo Governo socialista: corta-se no subsídio (umas dezenas de euros por cabeça) e obriga-se o desempregado a aceitar qualquer emprego, mesmo que seja para ganhar muito menos. Vale tudo, desde que se fique acima do limiar de pobreza. Conclusão: poupam-se uns milhões ao erário público e passa-se a mensagem de que o Estado não sustenta pançudos, pelo menos quando o FMI olha de soslaio. E de caminho providencia-se à nossa classe empresarial um exército de trabalhadores com salários capazes de competir com os chineses. Já consigo imaginar os Ferrari reluzindo de novo no Vale do Ave.
PS: Cumprida a parte do Pacto que diz respeito à Estabilidade (redução da despesa pública poupando com os desempregados), o Governo avançou no mesmo dia com a parte que diz respeito ao Crescimento, avançando com umas auto-estradas no meio do pinhal (1200 milhões). E descansou as agências de rating e todos os especuladores que ganham dinheiro com a nossa dívida, assegurando que o novo aeroporto de Lisboa, o TGV para Madrid, metade da auto-estrada do centro e a terceira ponte sobre o Tejo são para fazer quanto antes, seja qual for a taxa de juro dos empréstimos. Como se diz no Porto, em tempo de S. João, siga a rusga…