Corpo do artigo
Quem pensar que já se esticou demasiado a corda e que os partidos não conseguirão entender-se a tempo de salvar o Orçamento está a dizer-nos que atingimos já esse estádio de horror chamado ingovernabilidade
A pergunta que, em termos políticos, mais vezes será formulada neste início de ano, é precisamente aquela com que abrimos o destacável "Domingo": Irá o Governo cumprir o mandato? Se fosse o Presidente da República a responder, avaliando o discurso de início de ano, a resposta seria sim.
Cavaco Silva resolveu entrar o ano retomando o seu papel, um papel muito próprio dos Presidentes da República de Portugal, um papel de árbitro, de consciência de nós todos. Fê-lo tarde, mas em coisas destas, nunca é tarde. Poderia e deveria ter sido mais claro há mais tempo e já nem vale a pena repisar porque não o fez. Mesmo que haja quem o acuse de já não ser apenas um árbitro mas um jogador que se apresta para entrar em campo na corrida presidencial, a verdade é que Cavaco falou claro e foi duro. A dureza maior resulta apenas de não só ter ido em sentido contrário do discurso de Sócrates no Natal, como também de ter dito algumas das coisas que têm sido ditas pela líder do PSD. E se aos ouvidos do Governo e do PS o discurso soou desagradável, a Oposição, sobretudo a que frequenta o arco do poder, também ficou a saber que um Governo minoritário tem legitimidade para Governar, que a oposição deve ter cultura de responsabilidade e que todos devem criar pontes de entendimento.
Repita-se a pergunta: Irá o Governo cumprir o mandato?
Vistas as coisas assim, a resposta é sim. Por agora, sim. O Governo terá de ceder mas a Oposição à direita, sobretudo o PSD, ficou sem muita margem de manobra. Cavaco disse o que disse ciente de que seria ouvido pela sua base de sustentação política. Mas se os partidos à direita do espectro partidário resolverem condenar já o Governo chumbando o Orçamento, é certo que deixarão Cavaco desautorizado e só, mas isso também terá como consequência para esses partidos ficarem eles próprios sem o seu candidato presidencial, acabando à mercê das estratégias da esquerda sem nada ganharem em troca. Com a agravante, para o PSD, de que ainda terá de ir á procura de um novo líder.
Como também ninguém perceberá, que Sócrates e o PS caminhem para uma confrontação e forcem eleições, os próximos dias trarão muita política. O Orçamento de Estado deverá estar pronto, ou quase. Faltará que Sócrates lhe acrescente aquilo que seja suficiente para que a Oposição à sua direita, não perdendo a face, possa permitir a viabilização.
Quem pensar que já se esticou demasiado a corda e que os partidos não conseguirão entender-se a tempo de salvar o Orçamento está a dizer-nos que atingimos - três meses depois das eleições - esse estádio de horror chamado ingovernabilidade. Não se pense que uma vez lá sairemos depressa. Num pântano, a caminhada é sempre muito penosa. n