<p>A América elegeu um presidente negro. A América mudou. A primeira afirmação é um facto; a segunda, parecendo sê-lo, pode não passar de uma percepção. Como depois da bebedeira vem a ressaca, depois da "Obamania" - emoção e entusiasmo, expectativas sem freio - vem a realidade. Sombria e incerta, nos tempos que correm. </p>
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A partir de Janeiro, quando Barack Obama oficializar a sua entrada na Casa Branca, é que é a doer. Por enquanto, duas palavras ganharam primazia: simbolismo e esperança. Ambas são indispensáveis em política, porque mobilizadoras dos cidadãos. Mas não constituindo um programa político, muito menos automática garantia de bem-estar, correm o risco de esfumar-se em pouco tempo.
A América mudou por fazer as pazes com o passado, por reconhecer, finalmente, que os afro-americanos também integram o seu código genético? Talvez, embora a perspectiva pareça excessivamente simplificadora da realidade. Mais avisado é dar tempo ao tempo, para perceber em que consiste, se consiste, a mudança.
Numa nação habituada à hegemonia no mundo, o peso da história continua a ser mais decisivo do que o papel circunstancialmente desempenhado pelos indivíduos. Os Estados Unidos não se tornaram mais conservadores do que eram durante o consulado de George W. Bush, nem a eleição de Obama representa uma ruptura - quanto mais uma revolução! - tão absoluta como tendemos a acreditar na Europa. Quanto mais não seja porque a erupção da crise em Wall Streeet, já toda a gente teve oportunidade de o constatar, entrou sem pedir licença para o topo da agenda política do novo presidente.
O seu mais imediato desafio é esse: pôr em ordem a economia interna. Não é pêra doce, sabendo-se que o sistema financeiro bateu no fundo. Nem é tarefa que diga exclusivamente respeito aos Estados Unidos, na medida em que a globalização se encarregou de espalhar metástases da crise por todo o planeta. A política interna norte-americana, hoje mais do que nunca, tem impacto externo, que nenhum país pode ignorar.
Só depois de arrumar a casa Obama poderá concentrar energias na política externa. É provável que, entretanto, encerre a prisão de Guantanamo, como sinal de mudança (lá está: simbolismo). A resolução dos mais quentes dossiês - Iraque, Irão, Afeganistão, Médio Oriente - requer um fôlego suplementar. Exige-se que adopte uma estratégia menos "imperial" e mais multilateral, em cumprimento das promessas feitas em campanha. O palco internacional constituirá, por excelência, o verdadeiro teste à mudança. Obama, vaticina-se, precisa de um prolongado "estado de graça". Não é seguro que lhe seja proporcionado.