A Imprensa de há dias deu importância ao assunto: o Governo criou um programa, designado "Simplegis", de acordo com o qual vão ser abatidas 300 leis! Razão: inutilidade das mesmas! Pensamento: mais vale tarde do que nunca! Pergunta: e depois, só há 300 leis inúteis? Seja como for - e se for verdade, claro - bem podemos dizer que estamos perante um novo "25 de Abril"!
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E o caso não é para menos. É que tenho para mim que uma das razões para o triste estado a que chegámos é exactamente a do excesso de leis que temos. Do excesso e da sua falta de qualidade. E, claro, também, e por consequência, da inutilidade das ditas. Isto é reconhecido por todos. Do presidente da República aos mais variados titulares de cargos públicos e, destes, à generalidade dos cidadãos, todos são unânimes em reconhecer o triste espectáculo que é a amálgama de códigos que os tempos (e as mentes doentes que os conceberam) foram deixando por aí e para nossa consumição. Só não se percebe por que razão este novo programa de abate (de leis) não surgiu há mais tempo e por que razão os seus predecessores - o "Simplex" e o "Teste Kafka", pelo menos - não deram assim tão bons resultados!
Enfim, digamos que começar já não é mau mas sempre se dirá que só isso não chega. E a razão é simples: é que máquina de destruição pode ser eficaz e, de facto, fazer a razia que se propõe (vamos ver!) mas, se a outra máquina, a que as fabrica (às ditas leis), não for impedida de as continuar a produzir como até agora, bem se pode dar por completamente inútil tudo quanto o novel programa se propõe fazer!
Tenho um amigo que - para mal dos seus e dos nossos pecados - é jurista de profissão e que, há dias, me confessou a sua firme convicção de que esta coisa das leis que temos é mesmo uma questão de direitos humanos. Ou seja: se é verdade que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém e, por isso, ninguém pode invocar esse desconhecimento em sua defesa, também não é menos verdade que a ninguém é possível conhecer a infinidade e a amálgama de leis que há mas que, de facto, não regem ninguém nem coisa nenhuma. A ser assim - e tudo parece confirmar que assim é - estamos perante uma questão que, mais do que uma simples questão de leis, é cada vez mais uma questão de um regime que se foi tornando cada vez mais iníquo. Iníquo e, sobretudo, ofensivo dos direitos do homem universalmente reconhecidos e associados ao bom estado - ao estado de direito - mas que, subtil e sub-repticiamente, se foi progressivamente transformando num estado injusto e inumano e talvez até… ilegal!
Por outro lado, Portugal sofre, simetricamente, de um outro mal que já o presidente Jorge Sampaio, também jurista de profissão, havia diagnosticado com rara acutilância quando disse um dia que as nossas leis não são, em geral, para cumprir mas, antes, assim uma espécie de "sugestões" que cada português se dá ao luxo de ir interpretando a seu bel-prazer e do modo que, em cada momento, mais jeito lhe dê, sendo certo que a sua grande ambição é mesmo fintar as leis e, sempre que possível, ultrapassá-las seja por que lado for! Só que isto atinge sempre os fundamentos da democracia e da cidadania e ainda mais quando quem "interpreta" o faz porque julga que o pode fazer também a seu bel-prazer como acontece em muitas das nossas repartições que estão, também elas, cheias de "juristas" de ocasião.
Em resumo: sabemos que as leis que temos são muitas, muitas são más e, seja como for, ninguém as respeita porque elas (as leis) também não se dão ao respeito. Resta saber se alguém as poderá vir a respeitar quando - por hipótese - forem poucas e boas. No entanto, é preciso fazer qualquer coisa e começar por algum lado. Espera-se, por isso, que o dito "programa", ainda que sendo (mais) uma lei, seja mesmo para valer. Oxalá!