Catarina Martins não gosta do cartão de cidadão. Acha-o atentatório da igualdade de género, sexista, discriminatório. E por isso o BE - extraordinário que é na definição da escala de prioridades políticas - propõe-se gastar milhões para que se escreva cidadania onde, ao que parece, o masculino oprime.
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Alguém diga à coordenadora do BE para meter a mão ao bolso - não para relevo da despesa - mas simplesmente para agarrar no cartão que a identifica na função parlamentar. Verá que nele se lê "Cartão de Deputado", na expressão imposta pelo "Estatuto dos Deputados", que o BE aprovou sem rebuço. Em nenhum lado se lê Cartão do Parlamentarismo ou Estatuto do Parlamentarismo.
Inspirada no movimento Bra-Burning, sentir-se-á então compelida ao grito feminista, rasgando o cartão em frente de Ferro Rodrigues, na impossibilidade da queima de sutiãs em hemiciclo, mais que não seja por razões de segurança. Novo problema, contudo, lhe surgirá.
Quando quiser usar da palavra, notará que o Regimento da Assembleia da República só utiliza o substantivo masculino, no singular ou no plural, "Deputado" ou "Deputados". E o seu art.º 12º dispõe sobre "o presidente da Assembleia da República", que por acaso teve uma mulher, Assunção Esteves, no cargo, com a incumbência de dirigir os trabalhos e de substituir interinamente "o presidente da República", termo que a Constituição da República, por seu lado, exclusivamente consagra. Consta que o BE candidatou sem drama à função Marisa Matias, outra mulher.
Tamanho imbróglio sugerirá então consulta avisada ao dr. Louçã, economista. Constatará nesse momento que para exercer a profissão, o timoneiro deverá estar inscrito na "Ordem dos Economistas". E se tentar a conversa com João Semedo não terá melhor sorte, membro que será da "Ordem dos Médicos", como as demais são "dos Arquitetos", "dos Advogados", "dos Enfermeiros", "dos Farmacêuticos", "dos Notários", "dos Nutricionistas" ou "dos Psicólogos".
O impulso bloquista ajuda a perceber que o absurdo também tem votos. Mais grave, contudo, é saber-se que a proposta faz igualmente sentido ao PS. Não tanto porque o cartão tenha surgido por decisão do Governo do cidadão José Sócrates, que António Costa quererá ver longe da fotografia. Antes sim, porque um partido que foi fundador da democracia se mostra assim completamente subordinado a uma extrema-esquerda de que depende para sobreviver no poder, transfigurando-se ao ponto de fazer sua uma agenda ridícula feita de nada.
O Terreiro do Paço já viveu dias melhores.