O país não saiu à rua como em maio de 1974, ou acabou por fazê-lo, mas dividiu-se entre concentrações do Dia do Trabalhador e ajuntamentos em esplanadas de marginais com cheiro a maresia, porque as brisas suaves da primavera a isso convidavam.
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Com os ventos, indissociáveis do facto de estarmos em ano eleitoral, de feição, na legislatura em curso nunca os trabalhadores protestaram tanto. Isto apesar de uma, se não efetiva, pelo menos aparente, perda de protagonismo das centrais sindicais, o que merece reflexão.
Ainda há bem pouco tempo um pequeno sindicato, recentemente criado, ameaçou parar o país, ao bloquear a distribuição de combustíveis. Os rostos das centrais sindicais, que ao longo dos anos nos habituamos a ver dar a cara às câmaras, não estiveram lá. Mas o protesto teve força e, sobretudo, uma eficácia pouco comum em Portugal, que nem sempre é conseguida pelas forças tradicionais. É indesmentível que há novas dinâmicas na defesa dos direitos dos trabalhadores e que estas têm em comum a ausência de ligações ao sindicalismo tradicional.
O problema nem está na essência das centrais sindicais, fundamentais nos direitos conquistados ao longo de décadas pelos trabalhadores, mas as ligações aos partidos deixam passar uma imagem de controlo externo com a qual, definitivamente, os portugueses começam a deixar de se identificar. O divórcio entre a população e os atores políticos é bem visível na incapacidade que estes revelam na hora de seduzir os eleitores - nem sequer conseguem mobilizá-los para votar, quanto mais para acreditarem na mensagem.
A força das centrais sindicais passará muito, no futuro, pelo que conseguirem fazer no sentido de se distanciarem dos partidos. Se não o fizerem, correm o risco de ver os trabalhadores dar passos ainda mais significativos em direção a uma rutura que até acabará, em última análise, por os penalizar.
*Editor-executivo