Segundo consta, aos meus muitos defeitos - a teimosia, a ansiedade, nunca ter visto nevar -, deve acrescentar-se agora uma nova patologia. A síndrome de obsessão por Trump, talvez prestes a entrar no catálogo de horrores do DSM, a bíblia da psiquiatria norte-americana. Se os sintomas piorarem, temo seguir o exemplo de Rob Reiner, que morreu esta semana.
Foi esse actor e realizador quem me mostrou as dificuldades em lidar com sogros ultraconservadores (a encantadora Edith, o casmurro e também encantador Archie Bunker), foi ele quem me mostrou o mais perfeito exemplo de como as mulheres fingem um orgasmo (alto e bom som no meio de um café), foi ele quem me levou pela linha de comboio com um bando de rapazes em busca de um cadáver. E também foi ele quem me advertiu que o maior perigo para a integridade das pernas dos escritores são as fãs número um.
Os filmes de Rob Reiner têm uma espécie de patine que não se explica com a soma das partes, muitas das quais não são propriamente brilhantes. A mesma mulher que detesta injúrias e que nunca diria um palavrão, na sua excessiva normalidade, é quem se dispõe aos actos mais bárbaros. Os rapazes que procuram o cadáver vão apagando dentro de si o medo, as dúvidas; pela amizade, enfrentam o grande problema da pessoa mais completa que um dia surgirá dentro de cada um. A espécie de patine é uma complexidade algo ingénua e muito genuína que talvez se chame beleza.
Nada disto tem que ver com Trump. Mas o que nada tem que ver com Trump, na verdade, tem sempre que ver com Trump. O presidente dos EUA está muito próximo de figuras históricas da Antiguidade que deram largas a um ego desmedido e violento. Excepto pelo controlo das instituições democráticas, e mesmo esse a fragilizar-se, ainda se há-de descobrir que fios invisíveis ligam Trump a Calígula ou Nero.
A morte de Rob Reiner foi uma tragédia familiar. Ao que tudo indica, ele e a mulher foram assassinados à facada por um filho drogado de trinta e dois anos. Mas Trump decidiu acusar o realizador, "outrora muito talentoso, mas agora amargurado e em dificuldades", de ter sido um opositor ensandecido, contaminado pela síndrome de obsessão pelo presidente. E que essa doença mental "paralisante e incurável" lhe causou a morte, "alegadamente devido à raiva que provocou nos outros".
Qualquer um empalidece com tamanha imoralidade. Mas, se virmos bem, o comunicado dá a entender que Rob Reiner morreu por causa da raiva do filho, que, defendendo Trump, reagiu às ideias políticas do pai. Nesse sentido, não se tratou de uma tragédia familiar, tão-só o prenúncio de uma guerra civil.
Em todo o caso, a violência retórica é o fiel da balança nesta "Era de Ouro Americana" em que, de acordo com o presidente, discordar de si é uma patologia cada vez menos desculpável - e a precisar de curativo - "à medida que a Administração Trump superou todos os objectivos e expectativas de grandeza".
*O autor escreve segundo a antiga ortografia

