Os terríveis incêndios de Pedrógão Grande e Góis vieram pôr a descoberto fragilidades, algumas claras, outras menos visíveis. E este calafrio de debilidade, sentido coletivamente, irá acompanhar-nos nos próximos tempos.
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Deixem que pegue no que me é próximo, nos jornalistas. Há muito que não me lembro de um tão alargado exercício autocongratulatório da classe, como aquele que se seguiu à cobertura daqueles terríveis dias. Tudo passou a poder ser contado na primeira pessoa, as experiências pessoais transferidas para o papel e para as redes sociais quando afinal só tínhamos feito aquilo que somos pagos para fazer: jornalismo. Mas, para muitos títulos, a mobilização para este trabalho significou uma oportunidade cada vez mais rara de sair da Redação em reportagem sem ser por convite. O autoelogio, sem nenhum feito extraordinário à vista, é uma demonstração da fragilidade em que vivem as nossas redações.
Frágil é também uma Oposição que, por erros próprios, consegue fazer forte um Governo que revelou fragilidades nas primeiras horas de condução do combate às chamas. Era uma oportunidade como poucas para exercer a vigilância crítica que se espera das oposições, mas a fraca preparação, a voracidade e um longo historial de falhas a que nenhum partido de poder consegue escapar acabam por restringir a sua capacidade de ação.
É evidente que ainda esperamos saber mais e precisamos de determinar falhas e responsabilidades, mas há já coisas que estão bem à vista e só não aprende quem não quer. Será que vamos conseguir responsabilizar a GNR por não ter cortado uma estrada quando se sabe que em Pedrógão Grande só havia três guardas de serviço? Ou os bombeiros e a Proteção Civil quando se percebe que as comunicações falharam num sistema há muito eivado de problemas? E será que já interiorizamos a dimensão da nossa fragilidade perante as condições naturais que se verificaram naqueles dias, num território cada vez mais desprotegido pela desertificação que só serve para exponenciar e alimentar o abandono e o desordenamento da floresta? Se querem o elo mais fraco, o responsável maior, ele está aqui, na forma como o país, daqui a poucas semanas, vai voltar a esquecer o seu interior até que sobrevenha a próxima catástrofe.
Só teremos dimensão e grandeza para resolver os nossos problemas se percebermos bem o frágil que somos e que este desastre veio pôr ainda mais nu. De outra forma, vamos continuar a incorrer na mistificação e nos esquecimentos que nos trouxeram até aqui.
* SUBDIRETOR