Fiquei profundamente impressionada com a campanha deste artista de rua que, em Los Angeles, tenta interpretar e enquadrar os sonhos de sem-abrigo representando, a spray, os quartos, as refeições, as luzes, o conforto desejado e merecido por quem se enrola em farrapos, cartões ou plásticos, invisíveis a quem passa, nas ruas e becos da grande metrópole.
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Podem ver o que Skid vem fazendo no Instagram, ou apenas googlando o seu nome na rede. Encontrarão um quarto confortável a envolver um homem a dormir com a cabeça encostada à parede, um trono dentro de um castelo no alto de um monte que enquadra um outro, preso a uma cadeira de rodas e que foi largado na rua sem sapatos pelo hospital, um abrigo de cartão dentro do qual se encolhe um ser humano que parece querer libertar-se na paisagem ampla e livre que Robot lhe desenhou em perspetiva ou, simplesmente, um balão de BD dentro do qual aparece uma cama confortável e que sai do fundo da parede onde um outro sem-abrigo encosta a cabeça.
Só vendo, claro!
Pôs-me isto a refletir sobre muitas dimensões desta nossa condição humana, mas, para o que aqui conta fez-me pensar na importância das políticas sociais no contexto do desenvolvimento dos nossos territórios e sobre a alavanca fundamental que os fundos comunitários que por aí espreitam podem constituir.
Portugal não sofrerá exatamente do mesmo problema que os EUA, onde a ausência de um Estado social deixa os marginalizados do sucesso liberal muito, mas mesmo muito, desprotegidos.
No entanto, e sobretudo por via de uma demografia castigadora, temos pela frente uma população envelhecida e, muitas vezes, dispersa a que é preciso atender através do desenho de políticas públicas inovadoras e, sempre que possível, à escala.
Ou seja, o desafio é triplo. Por um lado, temos de saber calibrar o necessário assistencialismo com uma dose cada vez maior de incentivo à autonomia participativa e, sobretudo, à manutenção dos cidadãos na sua terra e na sua casa ao longo da sua vida, por outro lado, perceber que a reflexão e desenho geral de medidas inovadoras deve ser equacionado a uma escala superior (supramunicipal ou metropolitana) enquanto a sua adequação aos casos concretos dos territórios, bem como a sua aplicação deve ser deixada a quem conhece as pessoas pelo nome e não corre o risco de as confundir com anónimos utentes. Por outro ainda, saber perceber o papel fundamental da própria sociedade civil que, por exemplo através de programas de incentivo ao voluntariado, ajuda a estreitar as relações humanas e possibilita o crescimento conjunto das várias comunidades mais ou menos vulneráveis.
Não é um desafio fácil. Mais uma vez a escala de desenho e política pública em Portugal não favorece este desígnio. Por isso, corremos ainda o risco de ver nascer equipamentos tipificados a nível nacional com deficiências no uso ou mesmo desperdício na capacidade instalada, enquanto cidadãos seniores que insistem em manter-se em sua casa não têm quem lhes conserte uma torneira, lhes faça umas compras ou os leve ao médico.
Ressalve-se aqui o extraordinário trabalho que as câmaras municipais têm levado a cabo nesta matéria. Lutam por fazer render de forma criativa os seus recursos e enfrentam com paciência e determinação as implacáveis e estandardizadas respostas que tantas vezes as autoridades nacionais lhes impõem.
Mantenho igualmente que a escala metropolitana (por mais violenta que seja a resposta a qualquer desafio que se lance neste sentido) tem igualmente um papel fundamental a desempenhar (e a Área Metropolitana do Porto tem-no feito) qual seja, o de incentivar um pensamento criativo, inovador e de benchmarking global sobre as novas respostas que é preciso encontrar. E chamo ainda a atenção para os programas de cidadania que, com cada vez mais frequência, são desenvolvidos nas nossas escolas, e que criam uma massa crítica que deve ser aproveitada.
Agora que os fundos comunitários reconheceram em valor e especificidade, este problema é o tempo certo para redobrar o trabalho procurando inovar (com o envolvimento e predisposição do Ministério da Segurança Social) e respeitar o comunitário dever de subsidiariedade, ou seja, deixar a cada nível da administração o que cada nível sabe fazer melhor.
E, nesta matéria, como faz Skid Robot, temos de conhecer as pessoas, estar perto delas e saber representar os seus sonhos.