Corpo do artigo
Tive a honra de participar na Internacional Summit of Cities and Regions, realizada sob a égide do Conselho Europeu, na cidade de Kiev, na Ucrânia, que juntou líderes de governos locais da Europa, com o objetivo de reforçar os compromissos com a paz nas cidades e nas regiões ucranianas afetadas pela inaceitável invasão russa.
Face a uma invasão definida como instrumento de conquista e anexação de territórios, o papel da Europa não podia ser outro: apoiar a defesa dos agredidos contra os agressores, impedir o aniquilamento de um país e da sua integridade territorial. Mesmo que houvesse lugar a questionamento sobre eventuais acertos territoriais, isso sempre deveria ter acontecido à mesa da diplomacia e nunca com o troar das bombas.
Aqueles que criticam o apoio dado à Ucrânia para garantir a sua defesa, apenas demonstram o egoísmo dos seus interesses ideológicos e nacionais. Aqueles que acusam a Europa de participar na guerra, alimentando-a, apenas confundem instrumentalmente a defesa da soberania com a subjugação do direito internacional aos inaceitáveis interesses expansionistas dos russos.
O processo pode ter começado com os receios comodistas de 2014, quando se deu a invasão russa da Crimeia. Sem resposta dos líderes mundiais, desde Obama a Hollande, desde Merkel a Cameron, a Rússia entendeu existir margem para repetir a façanha expansionista, ao arrepio do direito internacional.
Junta-se a este contexto a nova bloquização do Mundo, assente numa nova Guerra Fria e em interesses muito concretos: o expansionismo económico chinês, definido na Rota da Seda, o saudosismo soviético das elites russas, o crescimento dos BRIC como força económica e monetária, tudo isto aliado às fragilidades europeias decorrentes das pressões demográficas, económicas, sociais e políticas.
Aliás, é esta Europa em plena crise que manifesta as suas dificuldades em lidar com as consequências da guerra às suas portas. É a Europa em crise que vê agudizar-se essa mesma crise por efeito desta guerra, vendo capitular sucessivamente as suas lideranças e promovendo a emergência dos extremismos e dos populismos.
A agressão militar russa pode não ter conseguido derrubar a liderança ucraniana, mas conseguirá progressivamente colocar em xeque as lideranças dos países europeus, desde logo por algum "cansaço da solidariedade". Não será diretamente a força das armas a derrubar governos; esses serão derrubados pelas consequências da guerra na vida das populações e a sua inevitável imputação aos governos nacionais.
Infelizmente, parece claro que os cidadãos europeus defenderão a liberdade e os direitos humanos até ao limite dos seus próprios níveis de vida.
Dito de outra forma, se é verdade que a primeira intenção russa se detinha no expansionismo territorial para a Ucrânia, a sua verdadeira consequência será mais alargada, estrutural e duradoura do que a própria guerra: o surgimento de uma abordagem política populista e radical na generalidade dos países da Europa, o reagrupamento de países emergentes numa nova ordem mundial, o estabelecimento de uma nova Guerra Fria, a instabilidade na Europa, enfim, novos desafios para a paz, para a democracia e para a vida dos povos.
*Presidente da CM Gaia / Área Metropolitana do Porto