O atual sistema de saúde dos portugueses assenta primordialmente na prestação do setor público, SNS - Serviço Nacional de Saúde, um conceito correto e estratégico, uma vez que, em tese, pode dar-se por garantido que independentemente de conjunturas económicas, políticas ou sociais, os cidadãos terão sempre acesso a cuidados de saúde.
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É notório e sabido que o serviço público de saúde apresenta atualmente três fragilidades consideradas cruciais e que por esse motivo carecem urgentemente de ser colmatadas: a fuga em curso de profissionais de saúde, a falta de equidade no acesso, e a necessidade de um modelo de gestão que utilize da melhor maneira os recursos existentes.
Foquemo-nos na primeira destas fragilidades, já que a resposta célere que o momento exige é simples, e assenta no princípio básico de que se tem de proporcionar urgentemente aos profissionais de saúde, as condições necessárias para se manterem no SNS.
Portugal possui uma excelente formação médica, mas não consegue fixar os profissionais de saúde!
Nos últimos anos começámos a assistir à debandada do SNS, e até à saída do país, de um número extremamente significativo de médicos e enfermeiros. Prova disso são os concursos para especialidades médicas que ficam com vagas por preencher e que este ano atingiram números recordes.
É fundamental que o Governo assuma claramente a responsabilidade de criar as condições para que os profissionais de saúde se mantenham no SNS e em Portugal. E a questão remuneratória não pode ser descurada. Vejamos o caso dos médicos: dados da OCDE relativos a 2020 mostram que um especialista de medicina geral e familiar aufere mais 60% em Espanha e cerca de mais 70% no Reino Unido. Estas diferenças são também abissais quanto aos enfermeiros hospitalares, com a agravante que o número destes profissionais em Portugal continua abaixo da média da UE.
É fácil compreender, pois, que os sistemas de saúde de outros países procurem ativamente recrutar profissionais especializados e qualificados em Portugal, e que sejam bem-sucedidos, especialmente junto dos mais jovens.
Uma remuneração mais elevada é importante, mas está longe de ser o único fator a explicar este abandono. É igualmente relevante a crescente falta de condições para médicos e enfermeiros exercerem o seu trabalho.
Importa olhar para a necessidade de criar novas carreiras médicas e de combater a carga horária excessiva, com demasiado tempo ocupado em questões burocrático-administrativas, que lhes deixam pouco tempo para dedicar ao acompanhamento dos muitos doentes que cada médico assiste. Na verdade, um médico tem dois salários: o monetário e o emocional que é a satisfação de poder ajudar alguém doente e de fazer a diferença na sua vida.
O primeiro pode até não ser satisfatório, mas o segundo tem sido a réstia de esperança que ainda tem evitado a debandada geral. É este mesmo segundo salário - o salário emocional - que tem ajudado os médicos, bem como todos os outros profissionais de saúde do SNS, a suportar as duras condições de trabalho, bem visíveis durante a pandemia.
Por sentirmos que estamos a cumprir o nosso dever junto da comunidade, todos os dias nos reinventamos e encontramos soluções, mas as condições para o fazermos são cada vez mais insuficientes.
É tempo de quem governa olhar para o futuro com sentido de responsabilidade e começar desde já a fazer o que ainda não foi feito! Talvez estejamos perante a maior oportunidade de fazer diferente para melhor.
Haja motivação e coragem para saber fazê-lo.
*Médico