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Pode um tipo carregado de qualidades profissionais conhecidas e reconhecidas, como é o caso de Fernando Araújo, líder da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), desaprender tudo o que sabia, colocando a sua elevada reputação em risco? Poder, pode, se as circunstâncias, de tão malfazejas, o empurrarem para o descalabro. Vendo, ouvindo e lendo o noticiário sobre o estado da Saúde em Portugal parece termos chegado aí, ao descalabro a que dão voz e rosto os utentes e os profissionais do SNS. O mago Araújo perdeu os poderes? O dream team colocado pelo ministro da tutela à frente da Direção Executiva perdeu a cabeça? Manuel Pizarro, ministro da Saúde, perdeu o fio à meada? Nenhuma das possibilidades parece suficientemente razoável para justificar o estado da arte do setor. Sendo verdade que, politicamente, é ao ministro que cabem as responsabilidades, não é menos verdade que os problemas do SNS têm raízes demasiado profundas, logo incompatíveis com olhares de curto prazo e gincanas argumentativas que proporcionam soundbites infrutíferos. O busílis da questão não está apenas na estratégia de gestão escolhida (mais centralista ou mais descentralizado), nem está, apenas, nas verbas que são despejadas anualmente sobre o SNS (em menos de uma década, passámos de 9 mil milhões para 15 mil milhões de euros). O busílis da questão está, antes, no modo como se compatibiliza a gestão com os recursos financeiros alocados ao SNS. Sem uma ampla plataforma política de entendimento entre todos os atores do setor e sem a capacidade política para depurar todos - e são muitos - os interesses espúrios que giram em torno dele, não haverá ministro nem Direção Executiva que resista. Seria uma pena concluirmos que Araújo e Pizarro foram as pessoas certas no tempo errado. No tempo em que a vontade foi batida pela realidade.