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Onde antes se lia "assistência, pelo público em geral, à realização de actos processuais", passou a ler-se "...à realização do debate instrutório e dos actos processuais na fase de julgamento". A mudança introduzida em 2010 no Código do Processo Penal, na sua 19.ª alteração desde a versão original, de 1987, parece de somenos, mas é tudo menos inocente.
O "público em geral" - logo, os jornalistas - perdeu o direito a assistir a momentos fulcrais da administração da Justiça. Como ontem se lembrou nas páginas deste jornal, trata-se de um regresso ao regime anterior à reforma de 2007. Mais do que isso: trata-se de um retrocesso, no que à transparência da Justiça diz respeito. A Justiça deve ser exercida à vista de todos, com excepções ponderadas em função de circunstâncias específicas, como casos envolvendo vítimas menores. Inverter a lógica de funcionamento do sistema, tornando a publicidade de actos processuais excepção em vez de regra, é tomar um caminho perigoso.
A versão final da norma - alínea a) do n.º do artigo 86.º -, que PS e PSD votaram favoravelmente perante a abstenção das restantes bancadas, até é mais "benigna" do que a proposta por uma comissão de especialistas, favoráveis a maior opacidade. Juntou-se, lá diz o povo, a fome com a vontade de comer: políticos que não gostam de ter jornalistas de olho neles (a cobertura dos processos como o "Face Oculta" desperta mais interesse, evidentemente) e juízes e magistrados que convivem mal com a crítica e o escrutínio da Comunicação Social, indispensáveis num estado democrático.
Tem sido sempre assim, na evolução do nosso sistema - já muitos o disseram. Quando toca a poderosos, há sempre almas caridosas a tratar de mudar as leis - às vezes só uma linha, como desta feita - reforçando o chamado "garantismo". Ou não fosse a presunção de inocência dos arguidos o argumento central de quem defendeu esta mudança.
De alteração em alteração, o regime processual penal vai tornando a Justiça cada vez mais escondida, cada vez mais praticada nas costas dos cidadãos. Só falta fechar a porta da sala de audiências e atirar a chave ao rio. Bom... E enviar um comunicado de três linhas às redacções.