É certo que a sucessão em velocidade acelerada de casos inexplicáveis de tragédia humana não pode ser contabilizada de ânimo leve como efeito direto da crise económica e social que atinge a Europa há cinco anos, aparentemente ainda sem fim à vista por mais que joguemos com os melhores números sazonais do desempenho económico.
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E mesmo que esses números venham a sedimentar algum terreno social com vista para a desejada retoma, algum tempo, e não pouco, será preciso para que as mulheres e os homens comuns reconheçam tal mudança nas coisinhas das suas vidas. Coisinhas simples mas que se tornaram tormentosas: em alguns casos, simples faturas de água e energia das suas casas ou os manuais escolares para os seus filhos.
O caso de um cidadão comum que matou outro por lhe ter estacionado a viatura na rampa da garagem, que foi notícia nas páginas do JN, pode não ter direito a entrada direta nas estatísticas da violência social derivada dos apertos de vida em que andamos metidos por efeito da crise.
O problema é que ninguém consegue explicar o tresloucado ato por algum prévio sinal público de perturbação mental do autor. Bem pelo contrário, o que se lhe conhecia apontava para uma inteira integração social na comunidade.
Do mesmo modo, o trágico descarrilamento de um comboio na Galiza, com 79 mortes confirmadas, não parece caber por inteiro no exibicionismo desafiador da velocidade com que tem sido desenhado o perfil do motorista a partir de algumas confissões e fotos colocadas no facebook pelo próprio.
Esse exibicionismo não parece suficiente para contemplar o desafio da própria vida numa curva tentada a uma velocidade 100 quilómetros acima do limite de segurança que a experiência do agora acusado de homicídio por negligência não podia ignorar.
Outro trágico acidente, este rodoviário, com 38 mortes confirmadas, ocorrido em Itália, veio colocar a nu a problemática da manutenção dos veículos de todo o tipo em que nos fazemos transportar, designadamente os públicos.
Do que já é conhecido deste acidente vai-se perfilando a ideia de que o autocarro em causa não estaria nas condições de segurança indispensáveis.
Também neste caso talvez não possamos contabilizar a tragédia à conta da crise económica, ou seja, das dificuldades das empresas de transporte em dispor dos meios financeiros para garantir os melhores níveis de manutenção dos veículos.
É verdade que só a acumulação de casos e o seu tratamento estatístico adequado nos dirão se esta sucessão de tragédias deriva ou não da crise. Mas que ela, a crise, mexe com os bolsos e as mentes, disso não há dúvidas. Só falta saber até que ponto.
P.S.: Ontem, na Suíça, onde o transporte ferroviário é rei, mais 35 feridos num choque frontal inexplicável.