Só nos faltava mais esta. A tensão política e social clamava por alguém capaz de dar referências para a discussão que, sem ignorar as pressões que o curto prazo coloca, lhe desse sentido e enquadramento estratégico. Cavaco Silva era o único capaz de desempenhar esse papel. Era.
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Por inépcia ou imprudência, o presidente fez um discurso do 25 de Abril que soou desequilibrado e que levou o PS a (querer) enfiar o barrete, radicalizando posições. As justificações a posteriori de pouco servem. Como alguém dizia, em política o que parece é. Resultado? Hipotecou (definitivamente?) a possibilidade de servir de mediador às negociações, cedências e compromissos que a situação política, e o tão proclamado consenso, requerem. Talvez tenha uma vantagem: levar Passos Coelho e Seguro a assumirem as suas responsabilidades, dispensando a supervisão tutelar. A ver vamos!
O discurso de Cavaco foi, além do mais, contraditório. Tem razão quando afirma que eleições, agora, nada resolveriam: as sondagens estão longe de indicar que o PS teria maioria absoluta e, não havendo uma política de alianças clara, nenhum presidente se atreveria a dissolver o Parlamento (recorde-se o que sucedeu com Sampaio aquando da saída de Durão que levou, até, ao corte de relações com Ferro Rodrigues). Como tem razão acrescida quando, na esteira do defendido pelo governador do Banco de Portugal, alerta para a urgência de um entendimento que prepare o período pós-troika, qualquer que venha a ser o resultado de umas eleições futuras. Tanto uma como outra das condições recomendariam uma intervenção pedagógica, equidistante, que procurasse distender o ambiente de crispação que se tem vindo a acentuar. Um político experiente não podia ignorar que a sua fala não preenchia aqueles pré-requisitos (a propósito, pergunta-se para que serve a sua Casa Civil se nem sequer é capaz de o alertar para as mais do que previsíveis consequências do discurso?). Pior. Se o PS for consequente com o que anunciou, Cavaco será confrontado com uma encruzilhada para o próprio regime democrático: um Executivo suportado numa maioria parlamentar (e num presidente) exposto a uma contestação social assente num apoio interclassista esmagador, de orientação contrária. Já preocupado com o período pós-troika, o presidente quis condicionar o risco da conflitualidade imediata. Com tão pouco jeito que, ao fazê-lo, deu o pretexto para que as posições se extremassem e fragilizou a sua própria posição institucional.
Só isso nos faltava quando, talvez mais do que nunca, este é tempo de debate. Frontal e leal para que não se eternize em prédicas e réplicas estéreis. Algumas condições de base melhoraram. Cá dentro e, mais importante, lá fora, ganha força a ideia de que o ritmo dos ajustamentos há-de deixar margem para a economia, momento há muito esperado por Álvaro Santos Pereira. A proposta que apresentou pode chegar tarde que isso, agora, pouco importa. Chegou. Tem coisas discutíveis e outras boas. As prioridades enunciadas são passíveis de gerar convergência. É bom que se arrisque a estabelecer metas, embora não seja claro como as conseguirá alcançar, desde logo ao nível da taxa de emprego cuja concretização implicaria uma criação massiva de empregos para a qual "falta" economia. Para o imediato há poucas respostas e as que há são do mais discutível que o documento contém. Propõe-se descer a taxa portuária em 50%. "Os portos não têm de dar lucro", disse. E com esse corte (quem lho aconselhou?) não passarão a dar prejuízo? Fez contas? As outras plataformas são todas eficientes? Mesmo a CP Carga? Perguntas sem resposta. Como também não se percebe se a tal "carta de missão" para a CGD a dispensa de fazer contas à concessão de crédito às PME (admitindo que o sabe fazer). Se continuar a perder dinheiro, ou melhor, se acentuar esse caminho, cá estará o Zé para pagar. Como de costume. Para o imediato seria, por certo, melhor um choque de IRC como Daniel Bessa tem vindo a defender. Em qualquer caso, saúde-se o documento, as propostas e a abertura ao debate. Por cá, voltaremos ao assunto. Merece.