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António recebeu a notícia da morte de Francisco com tristeza. Não se tinham dado bem em vida, é verdade. Não confiavam um no outro, mas quarenta anos depois de um ter sido presidente e o outro primeiro-ministro, quase tudo ficara esquecido. A notícia abalou António Ramalho Eanes, que escreveu, falou, abraçou os filhos de Francisco Balsemão e esteve presente na despedida de uma amizade nunca exercida. Agora, é o único que nos resta entre os mais destacados fundadores da nossa democracia, talvez o mais consensual e independente, talvez o menos permeável às luzes da ribalta. Eanes trabalha todos os dias, preocupa-se todos os dias com o país, tenta aprender uma coisa nova todos os dias, lê um poema todas as noites, faz telefonemas, intercede e é intercetado sempre que sai à rua - uns por o desejarem abraçar, outros por precisarem de uma palavra sua, há também os que querem falar, desabafar, dizer que no seu tempo é que era. Depois, em casa, sossega com Manuela. Tratam um do outro, existem um para o outro. Mais os dois filhos e os três netos, a Joana, o António e a Madalena, que, se as contas não me falham, frequentam o liceu. Imagino que, de olhos fechados, regresse à infância em Alcains, aos lagares de azeite, às estórias de lobos perdidos, aos canteiros a quem nunca faltava trabalho, ao desejo de ser médico. Com a morte de Balsemão, só nos resta um. Que o tratemos bem, que o abracemos em vida, que lhe suavizemos o medo... não da morte, mas do destino do país que ama.

