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Não acontece sempre. Por vezes é só um gemido, mas nas horas sombrias, quando a dor o invade e se torna insuportável, Rodrigo chora. E com ele a mãe Vânia e a irmã Nina. Nessas ocasiões, mudam o menino de oito anos de posição. Para lhe aliviarem as dores causadas por uma luxação na anca. "O meu filho está a sofrer. Não dorme, não descansa". É assim todos os dias. Rodrigo tem uma doença rara e está há sete meses à espera de ser operado no Hospital de S. João. Como a demora era longa (numa primeira fase, havia 400 doentes à sua frente), teve direito a um vale-cirurgia para ser tratado de forma mais expedita noutra unidade. Mas os cinco hospitais sugeridos pelo sistema recusaram operá-lo. Uns devido à ética profissional invocada por médicos que também exerciam funções no Hospital de S. João, outros porque pura e simplesmente não tinham ortopedia pediátrica. Sim, o Serviço Nacional de Saúde encaminhou uma criança para ser operada em hospitais que não podem operar crianças. A explicação é surrealista: o vale emitido não distinguia menores de adultos.
O tempo passou e os quase 400 doentes que separavam o menino de Gaia de uma intervenção cirúrgica passaram para 500 e tal. Mas eis que, no final de novembro, foi emitido um segundo vale. O Hospital Particular de Barcelos aceitou operá-lo. Marcou uma data. Seria hoje. Vânia levara Rodrigo às consultas, estavam felizes. Sobretudo porque a lesão se tinha agravado. Só que, cinco dias antes da data, o hospital cancelou tudo. Alegando, segundo a mãe, que não tinha "cuidados intermédios nem intensivos". Sim, leram bem. Por mais que se procure, não há um vocábulo abrangente o suficiente para qualificar o comportamento desumano desta gente. Uma criança em permanente sofrimento não devia ser um joguete anónimo na mão de burocratas incompetentes e sádicos. Não podemos aceitar que o Rodrigo, e outros como ele, sejam atirados desta forma para a valeta da estatística. Que seja a pachorrenta máquina do Estado a condenar ao infortúnio crianças e famílias que já carregam cruzes demasiado pesadas. Que a indignação visceral não nos impeça de sentir uma enorme vergonha.
Diretor-adjunto